The Beauty and the Beast I




- Oi
- Tudo bem com você?
- Tudo certo, e com você?
- Tudo bem, na medida do possível.
- Como assim? O que deixa seu possível na medida?
- Nada.
- Oras, o que tanto limita o teu "possível"?
- Nada, já disse.
- Se nada te limita, então você está bem sem medidas.
- Não. Só não quero falar pra você.
- Então escreva, você escreve melhor do que fala.
- Tchau.
- O que fiz?
- Nada.
- Onde vão tuas palavras na minha presença, baby?
- Não vão. Apenas se estatificam. Quietas permanecem.
- Há um motivo pra isso?
- Não sei. Você faz minhas sobrancelhas tremerem.
- Isso é bom?
- Isso é diferente.
- Então é bom. Mas ande, fale-me sobre teu possível tão limitado.
- Nada. É que algumas coisas são possíveis, e outras são apenas impossíveis.
- Custou dizer-me isso?
- Mais ou menos. Você me dá medo.
- Defina medo.
- Medo... oras. Uma sensação de insegurança ímpar. Frio na barriga que parece ter engolido o Alaska com sorvete. Ao mesmo tempo, é um combustível para fazer coisas mirabolantes, impossíveis.
- AHA!
- O que?
- Eu te faço ultrapassar o limite do possível?
- Eu não disse isso, de onde tirou essa idéia?
- Você disse que eu te dou medo. Depois definiu medo como combustível para coisas impossíveis. Ou seja, eu te dou vontade de ultrapassar limites. Qual limite quer ultrapassar hoje?
- Você é lunático e voluntarioso.
- Lunático. Quer me dizer de forma indireta que quer ir à Lua?
- Não, quero dizer que você é louco. Isso não acontece com você.
- Isso o que? Vamos, eu tenho a chave.
- Chave pra que?
- Pra abrir teus portões e tuas algemas.
- Acho que agora estou conversando com um louco completo.
- Acho que estou ficando com febre. Baby, you lighted my fire.
- (Risadas) Agora ví.
- Venha, você que escreve a sua vida.
- Isso que me assusta.
- O que te poe em condição de medo?
- Escrever minha vida. Tenho medo. Creio que não aprendi a fazer isso, e que também nunca fui ensinada.
- Relaxe my baby, relaxe. Não importa como você vai escrever. Se há margem, se há pontuação. É tua vida, e não importa quem leia, não importa se vende, não importa de que cor você escreve. Só escreva. Escreva...
- Será?
- Eu sei, você escreve melhor do que fala.

(...)

Nada para você

Guarde para você sua arrogância. Sua falsa indentidade criada para querer se sobrepor à mim. Guarde para você suas filosofias copiadas de alguém que nada conhece. Guarde para seu uso esses seus gostos não originais. Você pode chamar do que quiser, pode até ser alguma coisa que você disse, mas de qualquer forma, guarde para você.

Não me chame mais para beber com você, esqueça as conversas que tinhamos. Nada mais move isso. Virou uma grande massa de passado inerte e insignificante. Guarde para você sua prepotencia com quem só quer ver teu bem e sua infantilidade diante de sentimentos tão imensos.

Guarde o desapego e a sua tristeza fajuta e teatral. Esqueça de mim e de onde fomos. Seu sumiço já não me interessa mais. Dane-se, drogue-se, desfaça-se, desintegre-se. Faça o que quiser com o que você carrega no bolso ou na mochila. Teu calor não me importa mais, teus anéis também não. Então, leve com você o que já é seu e desapareça de mim.

Pinte-se das cores que você quiser, fique com as pessoas que você quiser, escreva o que você pensar, mas que seja um pensamento seu, que sejam suas cores e que sejam suas pessoas. Não entre no meu jardim para plantar ervas-daninhas. Não se estenda sob a minha sombra.

Não invada meu lar. Nem beba a mesma água que eu bebo. DESAPAREÇA na névoa que você trás. Se afogue na água quente que você quer beber. Absinta-se de mim!

Fico a pensar o qué você. Será mesmo que errado são todos? Olhando-se no espelho e vendo que não é ninguém e nem nada que tenha nascido de algo original. Tentando ser rebelde sem ter com o que se rebelar. Procurando achar razões em coisas que não viveu. Usando entorpecentes para se esconder de tão vazio é teu corpo.

Nada há mais, para você.

Ruby

"Ruby deve ser um nome de demônio"



Dizia-me Cassandra, em meio aos goles de whisky que tomava. Eu achava engraçado como ela sabia dos meus segredos sem me ver. Dizendo sem nenhuma modéstia, eu tinha um demônio em mim. Ruby realmente deve ser um nome de demônio. Ainda vou descobrir isso.
Eu já perdi a conta de quantos anos eu tenho, assim como perdi a conta de quantos goles de álcool eu tomo por dia, e quantos cigarros eu fumo, quantos quilômetros eu já andei. Só lembro de um passado estranho, que parece não ser meu.
Cresci em um velho convento na minha cidade, chamado "Convento Santa Seda". É um nome pequeno, da mesma forma que era meu quarto naquele lugar. Acho que propositalmente pintavam as paredes à cada 6 meses  de branco, o lugar me lembrava muito alguns hospícios que via nas fotografias de livros que haviam lá, com uma legenda que me assustava muito. É um nome estranho, mas para algumas das irmãs faziam total sentido.
Era um prédio muito grande. Por fora era um azul turquesa que se aproximava muito do tom do céu às 17:40h. Seus muros eram enormes, e de fora, lembro que apenas dava pra ver a ponta de uma das torres, onde ficava o sino. O sino por sua vez, era prateado. Grande como um carro, tocava sempre às 6h, tanto da manhã, quanto da tarde.
A rotina era muito puxada, e lembro de detestar aquele lugar. Havia no dia um momento em que não podíamos conversar, nem falar, nem sussurrar murmúrios. Acho que é por isso que tenho extrema paciência de ficar calada por muito e muito tempo. Estudávamos apenas português e matemática, e tudo baseado num livro de capa vinho, sobre o qual eu não gosto de falar. Havia apenas meninas naquele lugar. Via meninas que sentavam com pernas cruzadas, mostrando apenas parte da canela. Havia uma garota em especial que muito me chamava atenção, Keira. Keira tinha olhos bem puxados, como orientais, mas pele branca como de europeus. Ela tinha mãos suaves, e seu cabelo era bem longo e negro. Suas bochechas eram naturalmente rosadas, como a imagem do Santo Cristo que tinha no Hall do prédio.Apesar de todas nós usarmos o mesmo uniforme, parecia que ela sempre estava diferente. Todos os dias um novo sabor nos lábios. Seu corpo me lembrava muito uma ampulheta, e seu nariz era bem arrebitado, assim como seus seios, que lembravam maracujá verde. Redondo. Eu a olhava e sentia por entre as pernas um fogo que fazia pequenos espirais nas coxas. Disso me lembro muito bem. O vento bagunçava o cabelo dela, que no Sol, ganhava um tom acobreado.
Duas vezes a cada 5 meses o Padre P. ia nos visitar. Abre ("Ia nos visitar" é um eufemismo. Na verdade, verdade mesmo, ele pegava o dinheiro que estava no caixa, e roçava língua com algumas das irmãs). No dia 27 de Março de um ano que não me recordo, a minha vida mudou o rumo, se é que tinha algum. Particularmente, nunca me imaginei como as irmãs superioras que tinha lá, mas também não me imaginava em outro lugar. Mas nesse dia eu soube quem eu seria no dia seguinte.
O Padre entrou nesse dia pelo portão da frente, e do final do pátio, eu pude ouvir aquele som, como se tivessem aberto as portas de um grande curral de unicórnios. Comecei a ouvir os barulhos dos trincos do portão se abrir, e podia ouvir o fungar dos quadrúpedes que empurravam o portão de ferro naquele convento. Podia ver só uma luz que era só o reflexo do Sol em algum lugar. Ciano. A luz tinha essa tonalidade. O Padre nos visitara nesse dia em uma carruagem de fogo: Impala, seu nome. Mesmo que eu e a Keira estivéssemos nuas, molhadas, despida de toda vergonha e julgo, eu ficaria tão excitada, quanto eu ficara naquele dia, por enquanto. O Padre foi em direção a Keira, com olhos vermelhos, e um cheiro que agora eu conheço. Ele friamente a olhou, e falou algo em seu ouvido, que estava encoberto pelos cabelos negros que ela tinha. Eu no fim do pátio ainda só observava, meio anestesiada pelo Impala. O sorriso do Padre era discreto, mas mesmo assim fez com que todo o som naquele lugar se calasse para dar eco ao meu pulso. Lembro de Keira se levantando e saindo do pátio, seguindo o Padre que andava com as mãos no bolso. Vi ele correr as mãos sobre os cabelos dela, enquanto pararam na frente do Grande Cristo. Eu os segui, e pude ouvir a voz de Keira se desfazendo dentro da biblioteca. Lembro de assistir a cena por uma brecha que havia na porta. Vi a mão dele com um anel que tinha um crucifixo entalhado no ouro correndo o corpo de Keira, pela cintura, colo, coxas e pescoço, enquanto um pedaço da toalha do altar prendia a língua dela.
Na manhã seguinte, meu corpo ardia em febre e eu não conseguia parar de ver a mesma cena na cabeça. Keira andava com dificuldade nesse dia. Ela me olhava sem saber que eu já sabia. Na sala de enfermagem do convento, eu via remédios por todos os lados, até que algo que muito me chamou a atenção: ópio. Uma cápsula e acordei em um hospital com tubos na boca e no nariz. Uma limpeza fizeram dentro de mim. Lembro que o nome da enfermeira era de uma planta, mas costumava a chamá-la de Joana.

"Eu vou tirar você desse lugar, eu vou levar você pra mim"

Ela me dizia. Mesmo que eu não falasse nada, algo nela via quem eu realmente era. Talvez ela tenha me visto como um desenho com traços tortos e resolvesse me consertar. Joana, devia ter uns 45 anos, mas suas mãos ainda eram novas. Ela me levou para longe dali, ainda no colo. Ensinou-me a dirigir, mostrou-me seu quarto e me deu um quarto que fez questão de pintar de amarelo.

"O Sol sempre estará guardado aqui dentro"

Lembro dela me ensinando a ser mulher, lembro dela fumando comigo no telhado. Os cabelos dela eram alaranjados, e sua pele tinha sido camuflada à mão, com pequenas sardas que ficavam no canto externo dos seus olhos verdes. Sua pele já estava castigada, e sua voz era grave. Um dia ela me mostrou uma caixa que estava no armário central, tinha um alvo na tampa, e parecia que tintas haviam caído propositalmente de forma aleatória em cima dela. Deveria ter uns 40cm³, era feita de uma madeira pesada que não tinha sido bem trabalhada. Para falar a verdade, parecia que apenas tinham cortado alguns pedaços de carvalho e feito a caixa sem nenhum acabamento. De uma coisa não se pode duvidar: era uma caixa linda. Dentro dela haviam algumas cartas, alguns recortes, algumas fotografias, e passamos a noite toda bebendo café e rindo sobre as coisas que haviam lá dentro. Alguns vinis tocavam naquela noite, e meu coração estava tranquilo, até eu ver um recorte específico, que havia aquela fera na fotografia. Era lindo. Era frio. Me deixou excitada e me matou naquele momento. Ela me disse como se eu fosse parte dela, sem nenhuma palavra. Apenas saiu e eu segui como se nada me segurasse, apesar de que as vezes eu parecia estar com uma bola e uma corrente na minha mão. Andamos um pouco pelo quarteirão quando ela me mostrou um portão verde escuro, um pouco enferrujado, um pouco degastado.

”Boa noite, Augusto¹”

Eu não entendia muito, e o frio estava deixando meus lábios roxeados, mas tudo passou quando ela acordou a fera. Marrom. Aquele som eu já tinha ouvido há um tempo, o mesmo som da carruagem de fogo que naquele dia no Convento levou nuvens de chuva para Keira. E como eu queria andar nessa carruagem e caçar o cavaleiro que outrora me deu ópio para tomar. Marrom. Com rodas devidamente colocadas no seu lugar, com aro 18, pneus negros que lembravam muito patas de um Frísio jovem. Seu motor roncava como se um leão estivesse na minha frente. Lembro de Joana me levando para a rodovia. Ligamos o som bem alto, e ao som de Deep Purple, eu vi os ponteiros passarem a marca de 120. Não havia espaço para silêncio ou medo. Eu nasci aquele dia.
Assim fazíamos todas as noites. Saíamos para andar sem temer nada. Uma vida comum, num lugar comum. Até o dia em que eu vi Padre P. na vizinhança. Com o mesmo sorriso no rosto, com os mesmos olhos vermelhos, com os anéis nas mãos, sorrindo ainda pra pequenas crianças no pátio de uma escola. Olhando pra ele eu não pude controlar meus instintos negros. Taí! Deve ser por isso que meu nome seja de demônio, pois foi com um sorriso nos lábios, que levantei a poeira de onde eu estava, sacudi as paredes dos prédios com o motor da fera Marrom, e 120 foi pouco para meus pés. Naquele dia eu os coloquei em 156! Era o meu número. E aos 156 eu coloquei sobre aquele sorriso Sagrado, as quatro rodas, as quatro patas, o meu corpo! Fiz ele sentir o mesmo calor que Keira sentia, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, AMÉM!
Depois do exorcismo que eu fiz com minhas próprias rodas, olhei para trás, e pude ver a luz do Sol refletir nos olhos de Joana, que me olhava com olhos de dor. Seu coração parecia dilacerado, seu sentia dor dela, só de olhá-la. O arrependimento foi minha companhia.


"Baby, did you forget to take your meds?"

Desse dia então, meus pés correm todas as noites procurando por algo que parece que eu perdi sem nunca ter. Um vazio enorme em meu carro, que não preenchera e nem enchera nunca, até o dia em que a vi. Ao comprar seu café, eu a vi vestida de amarelo, com cabelos volumosos, negros como o rastro da minha máquina, lábios vermelhos e pelo branca. A visão do inferno, paradisíaca. Linda. Cassandra. Deixei pra ela então meu eu em sua rua, ainda a chamei quando o Sol se preparava para entrar em cena, ela me ouviu e me atendeu prontamente. Cassandra devia ter uns 19 anos, mas bebia como se tivesse 60. Ela não era acostumada a beber e bebeu todas, eu que era acostumada, bebi água com gás. Ela sorria pra mim e tinha algo nela que me fazia sorrir.  Nem era pelas piadas, mas pareceu que eu estava cheia. Keira, Joana e Cassandra, no mesmo corpo. Assim era ela. Doce, moleca, louca, louca e louca. Deixou a segurança para se agarrar na insegurança de me ver. E como se me conhecesse correu pra mim, com seu blue jeans, sujo com tintas que não sei de onde vieram. Jim Morrison naquele dia estava vivo no seu corpo, e casou-se perfeitamente com a Janis que estava na minha mão. Foi selado com grilhões. Ela encheu e preencheu o Marrom, transformando assim numa cor que ainda não tem nome, mas que chamo assim de cor-noir. Apenas isso. E eu já cheia de mim, cheia de Cassandra, lotada e transbordante, fiquei observando seus passos. Algo que nunca senti antes, algo que me fazia querer ficar perto. Antes disso, para que eu achasse a palavra que me definia naquele momento, preferi sair no meio do escuro, impiedosamente insensível.
FIM(?)

Cassandra



              Dedico esse texto aos jovens que ainda não se encaixam nos padrões, ao Kid Vinil e ao meu ex-professor de Geografia, Sebastião Artur.

              Cassandra era uma menina como todas as da sua idade, com sonhos infinitos. Era filha de Sr. Astolfo e D. Mariana. Ainda era irmã mais velha de três outras meninas: Julia, Fernanda e Carla. Fernanda e Carla por sua vez, eram gêmeas. Cassandra não era como suas irmãs, que passavam horas a fio à se maquiar, pentear, vestir, perfumar, para poder chamar atenção de seus vizinhos. Elas faziam o mesmo ritual ao acordar cedo. Uma corria para o banheiro, enquanto as outras gritavam na porta:

“Sai daí!”

               Passavam corretivo para manchas na pele, base para unificar, pó para tirar oleosidade, sombra pra dar cor, lápis para delinear, delineador para marcar, rímel para alongar, dar volume, separar e marcar os cílios, blush para corar e um brilho nos lábios para chamar a atenção. 
               Colocavam suas roupas mais vistosas, arrumavam seus cabelos alinhadamente bem. Corriam por seu corpo os frascos de perfumes com cheiros doces. Enquanto isso, Cassandra ainda nem acordara. Quando ela o fazia, ia silenciosamente ao banheiro social, tomava um banho frio, escovava os dentes e ia tomar seu café, assim mesmo de toalha, enquanto as pequenas gotículas de água escorregavam pelo colo e pelas curvas que seus cabelos faziam.
               Cassandra ainda assim, era a mais bonita da família. Era uma beleza diferente das de suas irmãs. Era pura e limpa. Ao se arrumar, contentava-se em passar apenas seu batom e seu lápis de olho preto. Saía dessa forma com as bochechas marcadas pelo Sol, com a sobrancelha bem fina e negra. Um rosto comum ganhava vida com pequenos traços de mulher. Ia na padaria, comprava seu pão e voltava para casa para tomar mais café. Passava o dia inteiro à pintar paredes e camisas brancas. Convertia o branco em cores infinitas.
               Suas irmãs ainda estudavam. Cassandra já tinha terminado os estudos, e agora queria saber o que fazer da vida. Até o dia em que sua vida mudou. Cassandra se apaixonara pelo que a tiraria dali: Impala, seu nome. Na cor mogno, com rodas devidamente originais. O símbolo da década que ela mais gostava. Um V8 que poderia ter interditado as ruas de NY nos seus tempos de juventude. Foi amor à primeira vista. Cassandra que era até então pacificamente doce e calma, conheceu a loucura que ela procurava.
               O encontro foi da seguinte forma: Em uma das manhãs em que Cassandra estava fazendo o que mais gostava de fazer de manhã, dormir, ela ouviu um barulho que roncava pela janela. Segundo ela, aquele ruído que deveria ser assustador, ecoou pelo quarto em que ela dormia naquela manhã. Esse ronco só aumentava como se estivesse convidando ela para um encontro quente. Cassandra rapidamente levantou-se e foi até a janela do quarto ouvir melhor a tal melodia encantadora. Lá estava ele, com seus faróis acesos para iluminar o dia de 4h, seus bancos cor de marfim e ainda todas as maçanetas, pára-choque e soleiras cromadas, assim como as rodas. Cassandra ficou olhando para ver como ele conseguia girar, e a fumaça que subia na rua, misturando o cheiro do asfalto quente com os pneus de chamas. Ah... Cassandra jamais esqueceu-se daquela cena, tenho certeza. Aquela garota ficou na janela por uns 20 minutos, até que ele fosse definitivamente embora. Deixando pra trás um caderno que saiu do meio da névoa criada por ele. Com toda a excitação, Cassandra não se importou de sair de casa tal hora. Naquele momento, tudo o que importava era estar naquele carro e viajar pelo mundo. Saindo de casa correndo entre os pés de maracujá que tinha no seu quintal, ainda descalça, pois não lembrara de colocar seus tênis, com uma camisola de cetim azul-bebê, Cassandra correu mais que suas pernas, ouvindo ainda na sua cabeça o roncar maravilhoso. Nas palavras dela:

“Eu poderia amar um homem que roncasse como aquele carro” 

               Ela pegou o caderno nas mão tremulas como se fosse a ultima pista de um mistério, como se fosse o antídoto da monotonia que era sua vida. O caderno era de capa mole, com um casal vestido com jeans e apenas o jeans, ao lado de um árvore com poucas folhas. Sujo com café, com cheiro de cigarros baratos. O caderno caiu como uma luva na mão de Cassandra, que só abriu quando o Sol voltou ao seu posto. No caderno havia coisas sobre a expansão do universo, sobre o tempo, sobre a morte, o sexo, a cachaça, a maconha, a vida, a música e claro, sobre as viagens do dono do carro tão lindo, que Cassandra procurou. Até que chegou um momento do caderno em que a compreensão foi afetada. Estava assim:

“Ao ler, deixe aqui sua alma”

                Cassandra arregalou os olhos pintados de preto, para tais letras escritas com uma bic preta. E não sabia o que colocar. O que era a alma de Cassandra. Ela então começou a escrever tudo que vinha na cabeça dela naquele momento. E ficou mais ou menos assim:

“All around the world”

                 Tudo em volta do mundo. A alma dela era isso. Então ela entendeu a necessidade de ter aquele marrom para ela. A liberdade estava presa dentro dele, por livre arbítrio. Então, folheou mais algumas páginas que tinham segredos tão lindos, vidas passadas em linhas azuis de um caderno normal. Um aramado de tormentos e acalanto. Como se soasse como música, Cassandra e o caderno tiveram um clímax em meio a tantas palavras que já faziam voltas e voltas na cabeça dela. Então como se fosse guiada a fazer, pegou a tesoura que estava sobre a mesa, e seus cabelos cor de mel foram chão. E tudo como se fosse uma câmera lenta, mesmo que a música soasse bem rápida. Cassandra nasceu naquele dia. Inesperadamente, ao longe se ouvia aquele ruído já familiar. Intimidade estava enchendo o lugar e dando voltas na casa de Cassandra. Sr. Astolfo e D. Mariana se lembraram sempre daquele dia, em que um roncar de motor tirou sua filha de lá.
                Na porta, encostado naquela máquina, ela com seu cigarro barato no canto direito da boca.

 “E a fumaça sempre saía em espirais”

               Ela, uma ruiva de mais ou menos cento e setenta centímetros, com lindos lábios pintados de rosa, e olhos bem delineados. Com 19 anos. Seus amigos à chamavam de Ruby, era uma pena que ela não tinha amigos, mas era assim que Cassandra queria vê-la. Cabelos lisos e grandes, voavam na mesma direção da fumaça. Na mão, a voz da Janis: “Like a Ball and Chain”. Cassandra já apaixonada pelo caderno, pelo carro, num ato precipitado, saiu correndo com a colocar seu blue jeans, tênis, camisa do The Doors, segurou nas mãos a chave da sua casa e pegou os trocados que estavam sobre a cama. Correndo para Ruby, que a olhava de uma forma diferente. Abre parênteses, (Ruby olhava Cassandra de uma forma fria, que não demonstrava nada que ela sentia naquele momento. Porém, era da forma mais quente e sensual que poderia ser vista. Ruby banhada em mistérios e sedução, diga-se de passagem banhada em água ardente) Fecha.
              Cassandra já apaixonara por Ruby. E da frente da casa dela, saíram as duas ao roncar dos motores marrons.
              Depois de alguns minutos caladas. Cassandra começa a querer retroceder para sua casa, enquanto Ruby ainda dirigia o carro que já alcançava os 122km/h. Mas ela queria pelo menos ouvir a voz dela, só uma vez. Ruby só queimava seu cigarro que parecia nunca acabar e a cinza nunca caía sobe seu colo. “Eu poderia guardar aquela imagem”, dizia Cassandra pra mim. Ruby, freiou no meio da Rodovia 37 o que fez com que o Impala rodasse algumas tantas vezes antes de parar fora da pista. Cassandra ficou assustada, mas naquele momento estava passando a sua música favorita, então sentia paz.

“Baby, baby, baby... I’m gonna leave you”

               O som do carro estava acelerando de acordo com o coração de Cassandra, sua vida parecia acabar ali. Ruby, correu dos dedos entre os cabelos vermelhos e requeriu o caderno. Cassandra o deu com um pesar muito grande. Ruby abriu o caderno na página que estava marcada. E disse com tom analítico:

“All around the world... É. Tua alma é minha agora.”

               Aquilo era tão assustador e tão confortante ao mesmo tempo. Cassandra se acalmou, quando Ruby lhe ofereceu cigarro. Correram pela estrada a tarde toda, e quando a noite chegou para jantar, elas pararam num posto para abastecer. Comeram, beberam. Não conversaram muito. Se olhavam muito, mas pouco diziam. Riam das piadas dos caras que estavam no bar. Riam das quedas dos bêbados lá. Mas quando se olhavam, nada faziam. Cassandra então lembrou do batom que já tinha saído dos seus lábios. Não estava ali. Ela não era vaidosa, mas se sentia nua sem o seu batom cereja da Avon. Ruby pintou seus lábios com mel. O bar parou para ver o mel que escorria pelos lábios de Cassandra. Ruby dizia que era como o blues.
                Cassandra conta que não sabe o que aconteceu, mas sabe que na manhã seguinte, tudo estava no seu lugar. Diferentemente organizado. E para contrastar com os banhos frios de Cassandra, naquela manhã, ela foi banhada pela saliva quente de Ruby. Todo o corpo. Pelos pêlos, boca e cabelo, peitos e barriga, e pernas.
                Ruby e Cassandra não se conheciam, mas eram íntimos. O que acontece normalmente quando isso ocorre, são casais separados. Mas as duas decidiram continuar correndo estradas e correndo línguas por aí. Cassandra nunca mencionou como elas conseguiam dinheiro. Creio que vendendo o que tinham.
                Num dia, no outro lado do mundo, o Sol estava nascendo, e Cassandra já tinha tomado mais que a conta. O bar a expulsou, e Ruby já estava esperando ela num poste enferrujado, sempre com seus cigarros baratos em mãos, ou em bocas. Ruby soltou a ponta que estava manchada, arremeçou contra o vento, enquanto Cassandra cantava “Dancing in the rain” pisando em brita com os tênis nas mãos. Ruby sabia o que iria acontecer, e se desfez entre as sombras. Cassandra só queria o Impala agora. Seu desejo marrom. E o teve. A chave estava no bolso da calça que Ruby emprestara pra ela. Sem Ruby, Cassandra adormeceu no banco do motorista, quando simulava uma corrida. Ela ligou o carro na manhã seguida, e junto com o ronco do motor feroz daquela maquina 67, ouvia as risadas que dava com Ruby. Mas não se lembrava da voz dela, a não ser pela vez que leu o caderno. Cassandra continuou a percorrer estradas, ao encontro de outra Cassandra.

Casa Nova!


Bom dia Leitores do VD. Esse é o primeiro post com a casa nova e arrumada para vocês. Assim como eu, o blog mudou de casa, agora está com essa cara nova, assim como a minha também. Acostumem-se. A mudança é um dos meus vícios. Então, essa não será a primeira mudança, mas para menores desconfortos, aqui vai a lista de coisas mudadas:

- Criação de Páginas
 Além do texto de comemoração de 2000 visitas, as parcerias e indicações de blogs, as colunas e as valentinas agora estão divididos em páginas, para limpar a página principal que estava muito poluída.

- Limpeza nos marcadores
Agora temos a metade da metade dos marcadores. Agora marcando por autora, e por coluna, o que vai facilitar a procura de textos.

- Cabeçalhos das colunas
Todas as colunas vão ter um cabeçalho único. Só pra “contextualizar”.

- Procuro
Também para facilitar o acesso de vocês aos nossos textos antigos, agora temos o sistema de pesquisa da Google. 

Por enquanto essas são as mudanças que fizemos. Espero que gostem das coisas novas. Como disse anteriormente, o lema e o propósito do blog não mudaram e nem mudarão.

Beijos!