Das grades



Dedico esse texto ao blog Catalepsia Produtiva e, conseqüentemente, ao seu alimentador, Felipe “Miro” Dread.



É verdade. Pode se sentar onde a lua ainda entra na sua cela, pra se ter noção de como é a liberdade. Jogue fora os maçaricos e os pés-de-cabra, pois nossas grades são mais resistentes. Cuidado com a alienação que te servem no prato. Ouça pela parede fria o sorriso que ela provoca em quem a chama para conversar, mas não se engane: quanto mais riem, mais ficam cegos e surdos, e o pior, mudos.
È verdade., e quem poderá nos contestar? Estais preso, meu caro.  Trancafiado assim como todos nós, atrás de algumas grades que nós mesmos criamos, por medo, e outras que nos foram impostas pelo carcereiro que chamamos de governo, pela senhora rica que chamamos de religião e pela maioria que os transformam em pessoas de total poder.
Olhe, há quanto tempo você está aí? Olhe que em outras grades ainda tem crianças! Olhe os anciãos à sua direita, e veja seus pais em celas. Um grande sanatório, um enorme presídio.
Porém, veja que de algumas, pouquíssimas, pra ser sincera, sai algo que conforta os presos. Veja saindo de dentro das grades palavras que são idéias. Veja a música que ganha forma. Veja a arte escorrendo pelos seus pés. São eles e somos nós, prova de que não estamos sós, nem mesmo vazios de idéias. Veja reluzindo no seu recinto todas as coisas juntas, músicas, poesias, prosas, crônicas, literaturas, teatros, danças, pinturas, esculturas e culturas. Essa é a nossa liberdade! Essa é nossa deixa! Nosso segredo confessado. Não há grades para os que têm palavras nas pontas dos dedos!

Child in time II



De longe você ver o tempo correndo com os vestidos nas mãos, como um amante que foi pego em flagrante depois da traição. De longe você pode perceber que dentro de um morango que ainda está verde por fora, por dentro já está maduro. De longe você entende então que se passou tanto tempo em uma noite só.
Aí você começa a ver que no rosto dela escorre um grande desespero de ter estado mórbida durante tanto tempo. Ela só deu 18 passos e já está tão cansada. Ela olha para seus semelhantes e em cada manhã eles estão revigorados e vivos, enquanto ela acorda contando os dias que lhe restam.
Ela ainda tem relógios, mas ela já sabe que a hora certa não chega. Os ponteiros hoje ecooam muito mais alto. Ela se ver no espelho enxergando um passado vivo e um futuro incerto. Hoje ela entende o rouxinol que partiu há 40 anos.

Tic... Tac... Firme... Suave... Firme... Tac... Tic... Suave...

Ecoa. O tempo ecoa mas não se repete. Ecoa mas não se prolonga. Só passa. Corre com os vestidos nas mãos. Diante dos olhos dela. Mas ainda há quem diga: "O tempo é seu aliado. Use-o." Mas o seu coração bate tão acelerado quanto as batidas dos ponteiros. Já são 5 horas! Já são 5 horas! Em breve serão 6 e quem se preocupará em cuidar para que os olhos de vinho não se perca?

Ela tem sua casa, mas ainda está só.
Ela tem uma família, mas ainda está só.
Sempre tem música no lugar, mas ela ainda está só.
Tem um cigarro nas pontas dos dedos, mas ela ainda está só.

Hush Baby.

Child in time I

Os quatro valetes.

Valete de Paus
Ele nasceu em 1942 e aprendeu a tocar piano com sua mãe em uma Igreja perto de sua casa. Inglês, formou uma das bandas de rock 'n' roll de maior sussesso nos anos 60: Rolling Stones. Brian Jones realmente era um eximio guitarrista. Um dandista, como todo bom inglês. Excentrico e inovador. Apesar de vermos sempre Rolling Stones com o frontman sendo Mick Jagger, não se pode esquecer da maneira irreverente de Jones usar a música clássica no rock, indo de frente à outra banda inglesa que também se destacava nessa mesma época, The Beatles. Mas junto todo o talento dele, havia um vício pelas drogas incontrolável, que acabou por fim, tirando a sua vida. Em 03 de julho de 1969, o mundo deu seu adeus à um dos grandes nomes do rock. Um guitarrista singular, morreu afogado na sua piscina. As dúvidas que os fãs e alguns especuladores fizeram na época, foram todas confirmadas. Frank Thorogood confessou o crime em 1993 em frente ao túmulo de B. Jones. Morto aos 27 anos.


Valete de Espada
Nasceu em Seattle em 1942, já com a promessa de um grande homem. Jimi Hendrix, um deus. Dominava a guitarra maravilhosamente, por amar a música acima de todas as coisas. Um trabalho árduo e prazeroso. Saiu dos EUA por falta de incentivo, para a Inglaterra, onde conseguiu o que queria: ouvidos. Ouvidos dispostos a ouvir sua música, complexa e simples. Quente e tranquilizadora. Veio então a The Jimi Hendrix Experience. Apresentaram-se no Monterey Pop Festival, onde Jimi mostrou o que realmente sentia ao tocar: tesão, fogo e paixão. O que se teve nessa mistura, foi a gloriosa performance de JH no evento, ao queimar sua guitarra no palco, após um longo amor com ela. Jimi disse a imprensa que era um sacrifício, e quem contestará. Ainda não satisfeito com isso, Jimi emocionou a todos os que continuaram persistindo nos tres dias de Paz, Amor e Música, numa fazenda no interior de Bethel. Jimi fez do hino nacional americano, um protesto, um ode ao evento e aos seus ideais, o qual foi ensaiado durante meses em sua cabeça, em seu coração, em lugares distantes. Marcou a vida de milhões de fãs e até hoje arremata milhões com seus solos impossíveis, suas escalas incríveis e sua voz que não canta, mas declama suas canções. Jimi deixou a Terra em 1970, dois meses antes de seu aniversário de 28 anos. Em 27 anos, transformou a Terra, as pessoas, os humanos, a forma de se ver a música e de se apreciar a arte. Morreu em um hotel, engasgado com o próprio vômito. Nada ainda foi muito explicado, deixando fãs sempre com um peso ao se falar da sua morte. Morto aos 27 anos.

Valete de Copas
Voz rouca, força nos pulmões. A alma escorria nos lábios. Vida e morte sempre andando de mãos dadas. Janis Joplin saiu de casa aos 17 anos, juntou-se com amigos que eram poetas, músicos. Viveu uma vida de altos e baixos. Little girl blue, tinha no palco a presença de mil homens, mas seu coração era amargurado por milhares de amores mal-sucedidos. Janis será eternamente lembrada pelas milhares de barreiras que enfrentou para um dia está em cima de um palco. O preconceito de ser mulher, o preconceito de ser uma branca cantando com negros, a vida louca que vivia. Todos os pesos presos aos seus pés, fez com que ela se afogasse em drogas. Os seus shows eram verdadeiros espetáculos! Primeiro pela sua voz e segundo que eram únicos. Aos fim de sua carreira, Janis exagerava na bebida em cima dos palcos e acabava contando seus problemas. Era único, singular, puro! VERDADEIRAMENTE LINDO. Janis realmente não tinha um voz aceita por muitos na época e sua Junkie Life era desconhecida por muitos, apesar de ser muito questionada, mas Janis enfrentava tudo isso para passar música para todos. Como ela mesma dizia: "É só música, não fique triste, é só música..." Dizia isso para milhares de pessoas que a assistia, querendo dizer isso para si mesma. Janis morreu em seu quarto de hotel em 1970, por uma overdose de heroína. Morta aos 27 anos.

Valete de Ouro
Um poeta que transformava suas poesias em letras de música. Jim Morrison nasceu em 1943, numa família rigorosa, tradicional. Jim, mesmo assim, tomou para si, seus próprios ideais, opostos aos que seus pais lhe passavam. Boêmio, seguiu para Califórnia onde formou The Doors, banda cujo nome foi tirado de um dos livros de Huxley, "The doors of perception". Jim sempre queria conhecer novas sensações, novos povos, novas coisas essa curiosidade crônica transformou-o num descobridor, quase um solucionador de mistérios. Jim criava para si pseudônimos como "Mr. Mojo Risin", na música LA Woman. Jim tomou The Doors para si como família. Havia cumplicidade e amor entre eles, coisa que por ideais opostos, não havia em sua família. Verdadeiramente um poeta, um amante da arte que fazia. Porém, assim como os outros, seu pecado foi a bebida, além do consumo excessivo de drogas e sexo. Jim Morrison, viveu intensamente seus poucos anos de vida. Jim Morrison também morreu em seu quarto de hotel, em 03 de julho de 1970. Morto aos 27 anos.


Os quatro "J's" nos deixaram aos 27 anos. Todos, em menos de 3 anos (69, 70, 71). Os quatro Valetes de um baralho que mistura talento, alma, fogo, paixão, psicodelia, tristeza e mistério.

*: 03 de julho é meu aniversário
**: 03 de julho será o SuperRock.

Ah.

Ela olhava ao redor, procurando algo que parecia já ter encontrado. Na parede os feixes de luz faziam um novo quadro e existiam palavras escritas ao contrário. Tudo que deveria estar no seu lugar, estava errado. Ela ainda tinha sua máquina, seu portal para outra dimensão. Tinha música e tinha vida. Alguma coisa faltava. Alguma coisa estava fora do lugar. Ainda não se sabe se eram os tênis que não tinha sido lavados, ou um caderno que ficou para trás com toda sua alma. Ela precisava de algo novo, algo que nem o céu tinha experimentado ou o inferno tivesse agarrado em seu calor.

Seus olhos vermelhos, assim como os de outra garota, me faziam trair meu próprio desejo. Ela fazia graça, dançava e tocava pra chamar minha atenção. Hora tão menina, hora tão mulher. Acho que isso que me chamou atenção. Seus olhos em forma de fogo e calor. Seu ser envolvido em música e suor. Conhecimentos que não cabiam na palma da mão, palavras que pareciam descer de sua boca.

Transformando poesia em vida, em sexo. Me olhava e quando pude perceber suas mãos já me dominavam calorosamente, sem nenhuma escala a seguir. Parecia que de minha cintura saíam sons de um violão com cordas enferrujadas, numa mistura de blues e rock 'n' roll. Corria meus cabelos, meu rosto e minha nuca, não esquecendo-se de matar minha sede à saliva. Com olhos de quem não alimentava a alma, ela surrurrava no meu ouvido convites deixando seus cabelos roçando em meu rosto.

Ah, naquela noite aquela pequena menina, fez coisas que mulheres fazer. Boca e língua, mãos pernas. Na barriga escorria um pequeno rio de suor e tesão. Eu podia ouvir a guitarra de Jimmy Page rugir em meios gemidos e sussurros. Nada vulgar. Tudo sensualmente quente. Jim pedia incessantemente, "Light my Fire!" e a voz de Janis acompanhavam a voz dela. Quente, quente, quente.Um ode ao seu corpo. 15-14-15-16-15-14-15-15-16-15-17-15-14-14-17-16-17... A vida ali ganhava nova forma. Seu sorriso se abriu no meio de um silêncio e a mentira brinca de roda com a verdade. O bem e o mal encarnados em corpos que se entrelaçam, se invadem.

Naquela noite, ela encontrou! Ela viu que tinha tudo nas mãos. Ela tinha 17 anos guardados em seu bolso, tinha um casulo de borboletas, tinha um violão. Tinha sorriso no rosto corado, seus lábios sempre estavam vermelhos e seus cabelos aleatóriamente armado. Seu corpo estava sempre quente guardado dentro de conchas. Novamente, seu coração parara de bater. Ela se sentia tão bem por isso...

Então ela começa a dançar correndo para o mar. Debruça-se sobre a grama que nasce sob seus pés. Ela vendeu seu mundo por alguns trocados. Dançava e o vento a abraçava, a beijava, a jurava um amor eterno, fazia seus pés tocarem nuvens fofas e rosadas. Sua boca não parara de sorrir, até que se nota no fundo da cama que falta algo. Algo que ela tinha encontrado a pouco. Algo que agora já dobra a esquina de sua casa. Embora foi e com ele levou seu violão, levou seu sorriso, deixando-a com um ponto de interrogação gigantesco e sua mão fechada.

Sem nenhum adeus. Foi-se. Enquanto ela tomava seus drops azuis. Enquanto ela pintava sua boca. Foi-se. E parece nunca mais voltar. Algo que veio de lá, chegou frio, inerte, seco.

Sintetizando.



"Cresceu de dentro daquele buraco, uma árvore. Conhecida como árvore da verdade. Foi cultivada por muito tempo. Com folhas negras e de pequena estatura. Seu gosto: ... agridoce."

A morte de Anna Rosa



Voz de uma TV


"Procura-se o culpado por atear fogo no roseiral da Cidade. No meio desse mesmo roseiral, havia uma menina, sem identificação, com aproximadamente 19 anos. Procura-se por ele. Ele usava calças jeans..."


Mudando de Canal


"Atenção senhoras e senhores. Hoje findou o verão que já durava 6 meses. Procurem fogo, pois o inverno que se iniciará hoje, nunca foi visto na Terra. A Segurança Nacional já começa adiantando-se distribuindo agasalho, porém, falta agasalho em todos os países..."


Mudando de Canal


"... a música mais pedida, por amantes do rock'n'roll: The End -  The Doors."


Em uma rua qualquer.


- Ela morreu!
- Quem?
- Aquela moça.
- Sim, e daí?
- A gente não vai fazer nada?
- E por que fazer alguma coisa?
- Ela morreu!
- Onde?
- Ali na rua. Ela tava andando meio cambaleante, sentou-se na grama e morreu!
- Como você sabe?
- Alguma coisa me alertou quanto a isso!
- Ah tah. Não vou sair correndo quilômetros para ver alguém que supostamente não morreu!
- Vamos lá! E não são quilômetros! São metros.
- Vamos então, moleque!

Alguns minutos depois


- Aqui está!
- É, eu vi.
- Mas ela ainda tá corada.
- Sim, contando que ela tá com batom vermelho, desfaça muito bem o roxo-cor-de-morto.
- Não fale assim. Coitada.
- Que você vai fazer?
- Vou colocá-la em meu colo.
- Como assim?
- Assim, olha.
- Porra! Deixa isso aí! Ela tá morta!
- Mas ainda tá quente e corada. Só não respira.
- Deve ser porque tá morta!
- Pare de falar isso. Eu já sei dessa parte. Só quero vê-la um pouco.
- Vamos embora. A gente chama a polícia e explica tudo.
- Não. Ela ainda tá quente. Pode está viva.
- Duvido muito que esteja vida com esse tanto de sangue.
- Onde?
- Aí, entre os peitos.
- Verdade. Mas não tem nenhuma marca. De onde veio esse sangue?
- De mim é que não foi. E eu que não quero saber.
- Seja mais delicado.
- Delicado o caramba! Você pode ficar cutucando um defunto e eu se falo com mais energia sou indelicado.
- Não estou cutucando ela. Estou segurando-a.
- Não importa! Vamos logo!
- Não vou. Ela deve estar viva e ouvindo isso.
- O que é isso?
- Você sabe o que é. É uma moça.
- Isso não mongol. Ela morreu com as mãos fechadas?
- Ué. Não. Só com a esquerda.
- Abre e ver o que tem.
- Eu não. Isso é muita intimidade.
- Ah tá! E você ficar todo excitadinho por esse corpo não é muita intimidade não?
- Não estou excitado. Estou anestesiado.
- Chame do que quiser! Vou abrir eu mesmo.
- Não.
- Vou sim. (algum tempo depois) Não dá.
- Por que?
- Tá duro demais, ela não abre a mão.
- Por que será?
- Deve ser porque isso é um DEFUNTO! VAMO LOGO!
- Não.
- Então fica aí!
- Vai embora não. E se ela acordar?
- Tá com medinho é?
- Não, não é isso.
- Então o que é?
- Espera.
- O que?
- Ela abriu a mão.
- E o que tem na mão dela?
- Isso aqui.


Horas depois, voz de uma TV.


"Senhoras e Senhores. Os cientistas ainda não conseguiram explicar, mas hoje o Sol nasceu no horizonte, com a cor azul. Foi pedido para que toda a mídia espalhe por todos os ouvidos. O frio que tem matado milhares de pessoas no mundo inteiro, parece não atingir certas pessoas. Pessoas essas, se diferenciam por idéias contrárias ao governo, à própria mídia, à grandes críticos. Eles dizem que podem sentir o cheiro de mil rosas colombianas em toda rua e sentem-se com uma temperatura agradabilíssima."


Voz do entrevistado


"Eu não sinto frio algum. Só uma vontade imensa de fazer o que eu quero fazer."


Repórter


"Portanto, pedimos aos senhores, em nome da Segurança Nacional, que não saiam de suas casas. Permaneçam plugados nas tomadas e esqueçam do mundo lá fora, pois uma onda de distúrbios lisérgicos está atacando a maioria da população...


Espere um pouco.


Chegou agora uma notícia de última hora. Numa alameda qualquer de uma rua qualquer, que outrora todo o seu verde tinha secado, hoje amanheceu coberto com milhares de lírios e narcisos e tudo indica que foi o sangue de uma jovem, a mesma jovem que estava no roseiral, debruçou-se sobre a grama e tudo começou a nascer. Isso foi um relato, de uma das testemunhas do local. Mas voltando à outra notícia, tranquem suas casas..."


Ela partiu. E nunca mais voltou.