la maison dieu



Eram umas 3 horas da manhã. Para muitos essa era a hora crucial. Deus escuta nossas orações melhor às 3 horas da manhã. Os grandes feitos eram feitos na terceira hora do dia. Eram três horas da manhã e eu pude ouvir ela me chamando no meu portão.
Eu que ainda estava acordado, insano na noite, pensei que já estivesse surtando. Ouvi novamente ela me chamar como quem não vai parar. Me chamava sensualmente desesperada. Eu fui até a sala e fiquei olhando pelo vidro.
Ela estava segurando as grades do portão. Vestidos claros com flores na ponta. Uma jaqueta jeans e uma sandália que desenhava sua perna. Seus olhos estavam embaçados eu não conseguia olhar com detalhes. Abri a porta.
Parecia que só havia na Terra eu e ela que me chamava. Eu ainda estava com a roupa da festa. Meus olhos ainda estavam pintados. Meu corpo ainda cansado. Eu então dei alguns passos. E então pude ver seus olhos. Olhos com um formato peculiar. Sobrancelhas finas. Olhos marcados com kajal negro. Marcados por algo mais que não sabia o que era. Ela me olhou sorrindo como quem não acreditasse. Parecia distante. Parecia em outra dimensão.
Ela me olhou e disse como se as palavras fossem dela: Eu sou a tua morte, vim conversar contigo. Vim te pedir abrigo. Preciso do teu calor. Eu sou!
Aquilo para mim tinha sido um milagre. Meu rosto ainda estava da mesma forma, meus tics nervosos não mudaram nem alteraram. Mas o meu coração estava em chamas. Eu tinha colocado fogo no meu corpo. Eu estava quente com a temperatura à 6°C. Eu estava em fogo. Não tinha entendido ainda como ela chegou ali, de onde ela veio, para onde ela queria ir. Mas ela estava na minha frente, com a poesia mais bela na boca. Um milagre ela ter lembrado daquelas palavras. A música com o nome estrangeiro.
Ela se sustentava nas grades e seu corpo pendia para trás. A luz laranja do poste mostrava seu rosto com mais detalhes. Era a menina mais linda que já houvera estado tão desesperada. Tão desesperada que sorria e repetia as palavras. Um blues deveria ter sido feito em ode aquela cena.

Doorframe



Eu cheguei na casa dela e tudo estava meio estranho. O portão estava aberto e a porta também. Eu subi.
Todas as coisas estavam encaixotadas. Papéis em pastas-portifólio. Tapetes enrolados e amarrados com um elástico. Camisetas em rolinhos dentro de caixas grandes. Calças em caixas perfeitamente ajustadas ao tamanho delas, todas alinhadas. Cós para um lado, cós para o outro. Suas maquiagens em pequenas caixinhas. A TV e o Som ensacados. A cama já não estava lá. O sofá também não. Nada, para ser sincero estava, além de caixas de roupas e coisas que ela tinha.
O Sol se encarregava de iluminar a sala e ali mesmo eu sentei. Por alguns segundos fiquei pensando o por quê de se mudar daquele lugar. Se tudo vai permanecer igual, e aquele lugar era o nosso lugar. Então, ela entrou na sala com shorts jeans claros, descalça, sem maquiagem, com uma blusa de algodão branca de alças finas, sem sutian, como ela costumava ficar quando estávamos juntos.
Ela me olhou por algum tempo, com uma voz meio estranha ela me cumprimentou e sorriu. Colocou uma blusa em cima de uma das caixas que lá estavam e sorriu pra mim novamente. Sentamos no batente da porta ficamos nos olhando por alguns minutos. Eu acendi um cigarro e dei um pra ela. O silêncio era o que mais falava. Era engraçado olhar para ela daquele jeito. Sua pele estava amarela pela luz. Eu não queria perguntar nada, ela parecia também não querer. Queríamos apenas fumar aquele cigarro todo, esperar os tic-tacs ser cantados até o fim.
A luz deixa seus olhos avermelhados, assim como o seu cabelo. Ela está mais magra. Tem um cheiro que eu reconheceria à quilômetros. Ela não me olha diretamente e brinca com a fumaça. Eu fico ali pensando que isso tem que acabar uma hora, mas seria tão bonito se continuasse por mais algum tempo.
Eu olhei ao meu redor e vi que uma das caixas tinha meu nome. Eu fiquei olhando e ela percebeu isso. Eu então me levantei e deixei com ela apenas a carteira de cigarro e o isqueiro. Fui no banheiro fazer o que costumava fazer e peguei nas mãos a caixa. Pensei achar lá dentro algumas das minhas roupas, algumas das minhas coisas que tinha deixado lá. Abri a caixa e tudo o que tinha uma pilha de cartas.

-Por que você não veio antes?

151415

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Calor para acalmar o tédio. Desculpas para te ver sorrindo de novo. O preto dos olhos acabou. Ela estava blue naquela noite tão viva. Tão blue que seus passos estavam lentos de mais para o resto do mundo. Os hidrantes passaram despercebidos por ela. Sua voz estava com uma força que só se tem nas maiores adversidades da vida. Ela estava morrendo e eu era o único que sabia disso.
Ela estava com um toque frio e disfarçava sua verdadeira tonalidade com o batom vermelho. Ela esqueceu o preto dos olhos, me revelando seus motivos de estar assim. Entre todos, eu sabia que ela estava blue. Tão blue quanto um elevador vazio que não tem pra onde ir. Tão blue quanto um peixe que não sabe voar. Sua voz, entretanto, salvava-a em pequenos sussurros que dizia quando me abraçava.
Eu não acreditei, mas o que eu ainda não tinha percebido, me veio à tona como um soco na barriga, uma facada no pé do estômago: ela tinha voltado. Viva ali na minha frente, tão blue quanto o dia em que a vi pela primeira vez.
Vestidos cinzas, boca vermelha, olhos marcados. Uma menininha que contava os seus dedos. Ela estava de volta, com o mundo nas costas e uma grande estrada nos pés. Cansada e ofegante. Ela respirava profundamente quando bebia da minha bebida favorita. Uma mente fantasiosa andando nas nuvens enquanto seus pés estavam presos por um grilhão que pesava muito. Morta e viva na minha presença. Falando com veracidade dada pelo vinho da noite.
Com medo, com esperança. Uma menininha que contava as gotas da chuva. Naquela noite, onde seus efeitos já não eram fortes contra mim, eu pude observar de longe e ver como realmente era a verdade daquela garota.
Antes de tudo era uma garota, e só por isso eu já podia esperar o inesperado. Seu corpo não era como os corpos idolatrados pela maioria, mas ainda assim era admirável. Uma mente esperta que se fazia de lenta. Uma mente cansada se fazendo de viva. Algo nos olhos delas me intrigam para um mistério já revelado.
Nunca houve perguntas que não soubesse a resposta. Ainda assim, eu queria ouvir ela me dizer isso como um deja vù. Ali, ao lado dos hidrantes, onde tudo começou, tudo teve o seu fim.
Ela saiu como quem não vai voltar. Sorriu e acenou para todos, mas eu vi ela morrendo diante dos meus olhos.
(...)
Foi achado um corpo perto das luzes que não se apagam. Foi achado um corpo e não se sabe como, ele estava intacto. Nenhum arranhão.

Ela ainda está viva.

Seca



Acabou meu tesão.
Acabou. Está seco.
Seco.
Agora que chove, tudo está seco.
O tédio toca pra mim.
A preguiça se rasteja em meus pés.
O telefone toca por horas e eu apodreço no sofá.
O cansaço encurta meu fim de semana.
O cansaço me broxa na cama.
Gira o mundo e eu parada, esperando segunda-feira chegar.
Trabalhando para enriquecer uns.
Trabalhando para empobrecer outros.
Moro numa periferia.
Que não fica à 20 minutos das mansões da cidade.
Ainda assim é periferia.
Ainda assim sou pobre.
Posso até escutar daqui a risada do gerente do banco.
Posso ouvir ele rir da desgraça que está a minha conta.
Posso ver nos olhos deles o desejo do dinheiro.
Daqui da periferia, onde a arte nasce e morre todo dia
sinto forte o cheiro do desespero rodeando minha casa.
Trabalhar, estudar, trabalhar, estudar.
Vida de cão.
Vida de gado.
Esperar 4 anos pra ser alguém de importância relevante.
Escolher alguém de importância irrelevante para não se importar.
Vida de cão.
Vida de gado.
Sujeito à votar. Sujeito à sujeitar-se.
Sujeito que trabalha para ganhar um mínimo insuficiente.
Cansei dessa rotina.
Secou meu talento.
Minhas palavras estão cinzas.

Com'on baby, let me stand next your fire!