Apague a luz


  As músicas estavam tocando alto. Havia tanta lama no chão quanto na Woodstock de mil novecentos e sessenta e nove. As músicas falavam sobre juventude, liberdade e amor. Eu era jovem e estávamos brincando em meio a multidão. As luzes entravam em nossos olhos partindo nossa pupila ao meio. A música era cortante e as risadas se tornavam espontâneas.
  Parecia já antes preparado, quando eu seguia o próprio Diabo em busca da minha própria morte. Eu via uns dançando, outros se embriagando. Eu estava sóbria mas me sentia entorpecida. O mundo girava tão lentamente. O amor nos fazia graças. Era a mais solene canção tocada para aquele punhado de gente.
  Mas naquela noite, o mal foi disseminado naquele descampado. A covardia deu lugar a todas boas daquele lugar, deixando aquele ar pesado demais para que eu pudesse respirar. Meu corpo saiu de minh'alma e o meu espírito estava longe. Deus olhava para mim como um dia olhou para seu filho Jesus na cruz.
  Eu me dilacerava em solidão, entre milhares de pessoas que nos olhavam na valsa da morte. Suas mãos encravadas em minha cintura fazia meu coração ter sopros como a pequena Hurricane. As palavras gritadas eram como pequenos tiros de uma espingarda calibre doze em meu ventre. Olhos de rapariga me observavam de longe enquanto os eu tentava me esconder quando aquelas mãos feriam as minhas. O álcool era o combustível da noite infernal.
  Quando a música acabou, apagaram as luzes. O que parecia o fim, foi apenas mais uma elaboração de planos. Como era de costume se dizer.

Atrasada!

Modifiquei.

Houve então um dia em que saíram todos para brincar em um grande parque. Haviam pessoas por todos os lados e as vezes parecia que "Deus" tinha fechado os olhos para a humanidade. Turistas de outra estação nos observavam através das nuvens. A noite estava no seu início. Molhados até o joelho pelo capim do jardim, avistou-se um coelho que caminhava lentamente. Mãos no bolso, olhar distante. Con-cen-tra-ção.


"Não havia nada de tão notável nisso; nem Alice achou tão
estranho ouvir o Coelho murmurar para si mesmo, 'Ai, meu
Deus! Ai, meu Deus! Estou muito atrasado!' (quando pensou
nisso, bem mais tarde, ocorreu-lhe que deveria ter estranhado;
porém, naquele momento, tudo lhe pareceu perfeitamente
natural). Mas quando o Coelho tirou um relógio do bolso do
colete, deu uma olhada nele e acelerou o passo, Alice ergueu-se,
porque lhe passou pela cabeça que nunca em sua vida tinha visto
um coelho de colete e muito menos com relógio dentro do bolso.
Então, ardendo de curiosidade, ela correu atrás dele campo
afora, chegando justamente a tempo de vê-lo sumir numa grande
toca sob a cerca.
No instante seguinte, Alice entrou na toca atrás dele, sem
ao menos pensar em como é que iria sair dali depois.
A toca do coelho, no começo, alongava-se como um túnel,
mas de repente abria-se como um poço, tão de repente que Alice
não teve um segundo sequer para pensar em parar, antes de se
ver caindo no que parecia ser um buraco muito fundo."

O dia do Capeta



Quero comer tuas mentiras no café da manhã acompanhado de cachaça.
Transar sem camisinha com teu silêncio.
Beijar tua ausência quando ela chegar.
Quero discutir com tua preguiça e pegar um cineminha com sua indecisão.

No almoço, vou temperar tua cegueira com pimenta e salgar tua malícia.
Tudo isso banhado no azeite que corre do teu rancor.

Quero nadar de tarde nas tuas mágoas.
Ver o por do Sol com teu cinismo.
Abraçar forte tua frieza e contar piadas com teu medo.

De noite quando a Lua fizesse cena, eu arrumaria uma cama para teu egoísmo.
Com lençóis de cetim, forraria o travesseiro do seu desafeto.
Dá um beijo na testa da tua ambição.
Sentar-me numa poltrona ao lado de tua cama, com a mesma cachaça, esperando que tua infidelidade feche os olhos.

Asa Pequena


Então você achou que tudo estaria fácil para nós dois?
Baby, você sabe que caminhamos sempre em círculos.
Há alguma coisa ainda não resolvida para nós.
Bem, você me pergunta o que é preciso pra eu ir embora, mas você sabe o que é, você já fez isso.
Mas ok. Eu sabia que jamais poderíamos nos ver novamente
e parece que você achou que eu ficaria lhe esperando sentado na grama que você deixou morrer.
Agora me culpa por algumas palavras que eu poupei?
Eu disse a você que tudo estava bem.
Então por que não deixar como estava?
Parece sim que eu estava melhor antes, pois até o dia em que a verdade nos impôs a conversa,
eu não tinha necessidade de você.
Você diz que eu faço você perder a cabeça. Você me faz perder a paciência.
Agora está tudo frio novamente e você me acalenta com um silêncio familiar.
As coisas eram simples quando éramos jovens.
Mas não somos velhos ainda.
Me explique esse paradoxo?
Acha que um suposto amor deve ter nos envelhecido?
Você não acha engraçado por que brigamos se ansiamos as mesmas coisas?
Eu acho. Ou pelo menos, engraçado foi a palavra que mais encaixa.
Eu e você inventamos nossa liberdade nos perdendo de si.
Eu sei que sou um pobre menino frágil. E você sabe o que é?
Até quando músicas falaram por nós dois?
Olhe pra você e me diga o que te falta.
Então vou te olhar nos olhos e dizer o que eu preciso.
Quando isso acontecer, talvez estejamos já velhos e cansados.
Não correremos mais e nem sonharemos com um futuro feito de rosquinhas mabel e café.
Talvez seja tarde demais para realizarmo-nos como amigos que sempre fomos.
Mesmo querendo, algumas vezes, nos beijarmos loucamente.
Anyway. Façamos um trato.
Pegue essas pequenas asas quebradas e aprenda a voar.
Toda a vida você esperou por isso.
Tomorrow I'gonna be by your side.

Noir



  Eles cortam nossas gargantas como se nós fôssemos flores e o nosso leite foi devorado. Quando você quer uma coisa, ela vai embora depressa demais. Tempos que você odeia, sempre parecem demorar. Mas apenas se lembre, quando você pensar que é livre, a rachadura dentro do teu maldito coração, sou eu.


Eu quero exceder a velocidade da dor por mais um dia.

Gostaria de poder dormir mas não consigo deitar em minha cama porque há uma faca para cada dia que eu te conheci. Quando você quer uma coisa, ela vai embora depressa demais. Tempos que você odeia, sempre parecem demorar mais. Mas apenas se lembre: quando você pensar que é livre, a rachadura dentro do teu maldito coração, sou eu.

Eu quero exceder a velocidade da dor por mais um dia.

Minta pra mim, chore por mim, dê para mim - Eu o faria
Deite comigo, morra comigo, dê para mim - Eu o faria

Guarde todos os seus segredos embrulhados em cabelo morto, sempre.

Minta pra mim! Chore por mim! Dê para mim!
Deite comigo! morra comigo! Dê para mim!

Espero que morramos de mãos dadas. Sempre.

Duzentos e dezenove

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Em uma sala, em algum lugar.

- Eu me lembro muito bem daquela noite. Eu sinto o cheiro daquela noite no vestido branco que eu usava. Os cigarros tinham acabado e o vinho também. Ele então pegou as malas, o violão e se foi...

- O que você sentiu?

- ... Querido, não me interrompa. O que eu estou pra lhe dizer você nunca ouviu. Então guarde a caneta e o papel e escute com atenção.
   Ele tinha alguns trocados no bolso, estes suficientes para ele ir embora. Eu sabia que ele precisava ir, mas não queria que fosse. Você já soube o que é precisar de algo e não poder querer?...

- Aan...

- Baby, é algo que te corrói por dentro. Deixa você com arritmia e te envelhece. Se o vinho soubesse o que é amor, envelheceria muito facilmente, mas seu sabor seria muito amargo... (Trago no cigarro). É por isso que a casa é constantemente escura e vazia. Meus móveis e a "luz" se foram com ele. Eu entendo que isso tudo talvez seja muito pra você entender, talvez eu não esteja usando as palavras certas, mas baby, quem pode explicar um coração partido?
(Um gole de vinho)
  Marca meu caro. Marcou meu corpo. A data e a forma em que aconteceu. Ele foi chamado pelo blues e se foi. O blues é meu romance-noir. Eu o amo, mas ele me tirou o que mais amava. É como um homem viril que crava as unhas nas coxas brancas de sua fêmea e não a beija. Ou como o homem que só beija sua mulher uma vez.

- Me fale sobre a despedida.

- Eu... bem... (trago no cigarro, olhando pela janela). Eu estava na sala. Ele saiu do quarto, me olhou nos olhos, passou a mão no meu rosto e o polegar na minha boca. Naquele instante, senti que estava perdendo algo. Senti isso muito intensamente. Ele me olhou como se estivesse falando comigo, mas em silêncio. Aquele pequeno instante pareceu enorme. Vi nossas vidas passando em minha frente. Eu segurei sua mão e o abracei. Ele apertou sua mão nas minhas costas.
   Eu o soltei e de olhos fechados abri a porta. Ele deu um meio sorriso como costumava dar e me perguntou com um ar humorístico: "Quer me ver indo não?". Eu ainda de olhos fechados sorri. Ele veio perto de mim e meu corpo tremia, sem parar. Sussurrou nosso segredo, passou a barba em meu rosto e se foi. Eu fechei a porta e só conseguia ouvir o tic-tac do relógio que ganhei de presente da minha mãe. Eu ouvi ele por umas 1500 vezes e eu corri para a estação. Vi ele entrando no trem, pra longe de mim.

(Sorrindo)


"Quando um homem recebe blues, Senhor, ele pega um trem e passeia
Quando um homem recebe o blues, Senhor, ele pega um trem e passeia
Mas quando uma mulher recebe o blues, querido, ela abaixa a cabeça e ela chora"