azul


 Eu hoje não tenho palavras para escrever. Eu ouço músicas de todos os tipo, olho fixamente para esta imagem e tento criar mil personagens para disfarçar o que sinto, mas hoje não. Hoje o que meu coração tem pedido é um pouco de sinceridade para me deixar mais leve. Um pouco de verdade, alguns minutos sem a máscara que resolvi pintar para mim.
 Eu hoje não tenho muitas cartas na manga e meus amigos reclamam do meu silêncio. Entretanto, na mesa do bar, entre a garrafas de cerveja e alguns remédios, eu passo desapercebido e minha cor real ninguém ver.
 Eles, quando me veem, sempre sorriem e me dão abraços. Fazem piadas com minhas tristezas e esperam uma reação de mim, que fico rindo com lágrimas nos olhos. E quando me sento e em silêncio me reservo, os olhos deles riem de minha tristeza sentida. Minhas mãos trêmulas já não escrevem nem afagam seus cabelos e não há mais colo para que eu durma. O azul me bate tão violentamente! Me arremessa à altura de seu pescoço e arrasta meu corpo no deserto.
 Eu, pinto de vermelho unhas, olhos, cabelos para disfarçar o meu blue, meu blues. Veem-me como aquele que passará por todas as coisas ileso, sem nenhum arranhão.
 Mas quando estamos eu e o espelho de frente, e vejo dentro de meus olhos os seus olhos. Vejo em meus lábios a marca do seu batom. E só de lembrar de teu cheiro o meu ar se desfaz. Eu tento deitar e deixar que isso se desfaça, e nos sete minutos que antecedem meu sonho, eu me vejo azul. Eu me olho no espelho e não entendo por cada pequena coisa que eu toco dá errado.


"And I say, now hon', tell me why,
Why does every single little tiny thing I hold on goes wrong ?
Yeah it all goes wrong, yeah.
And I say, now babe, tell me why,
Why does every thing, every thing.
Hey, here you gone today, I wanted to love you,
Honey, I just wanted to hold you, I said, for so long,
Yeah! Alright! Hey"



Preto


Ricardo Caldeira - flickr.com/samba_raul

Eu costumava esperar os ponteiros acertarem-se para que eu acertasse o tempo de minha vida. Eu costumava acordar cedo, fazer meu café, olhar pela janela para ver como estava o tempo, banho, trabalho. Eu costumava beber com os amigos no fim de semana. Esperava o semáforo abrir e fechar, me indicar hora de seguir e parar, ou prestar atenção. Era minha rotina sagrada, meu trabalho sagrado, o horário sagrado para fazer tudo, sem atrasos ou canetas espalhadas pelo quarto.

Acostumei-me em aliar o chapéu e às vezes flexionar as sobrancelhas. Tudo sempre igual para que eu não perdesse o ritmo, para que eu não perdesse o tempo, para que eu não perdesse o meu dinheiro, para que eu não perdesse meu apartamento, para que não perdesse a guarda de meus cães... O tempo, o tempo! Eu esperava sempre pelos ponteiros, pelo relógio digital de minha mesa de trabalho, pelos ponteiros....

Até que no dia que tirei férias do trabalho, percebi que o tempo se esticava, demorava pra passar. Andando pela cidade com meus cães eu vi ela andando de bicicleta. Shorts jeans recém cortados, sem sutiã ou chinelo, e com uma camiseta fina de algodão cor-de-goiaba. Os cabelos acobreados e seu cinto preto... Em total leveza e poder fez meu ser elevar-se e cair de vez no chão. Ao mesmo tempo que sentia que minha mente não sentia efeitos da gravidade, sentia meus pés pesados, sem conseguir me mover para nenhum lugar. O tempo parara naqueles breves momentos e com uma sensação de flutuar e cair eu acabei perdendo a hora da leitura.

Desde esse dia, tenho procurado em todos os lugares os meus ponteiros, meus relógios, meus horários... Os de ponteiro pararam, os digitais marcam sempre a mesma hora, os de corda pulam no playground... Eu não sei quando comer, não sei quando beber, não sei quando trabalhar ou quando ir ao banheiro. Minhas férias foi deitar no sofá esperando o tempo passar. Mas não passa!

Ela quebrou o tempo. Ela quebrou o tempo. Ela quebrou o tempo.

"Working from seven to eleven every night,
It really makes life a drag, I don't think that's right.
I've really, really been the best of fools, I did what I could.
'Cause I love you, baby, How I love you, darling, How I love you, baby,
How I love you, girl, little girl.
But baby, Since I've Been Loving You. I'm about to lose my worried mind, oh, yeah."

Vermelho

Ricardo Caldeira - flickr.com/samba_raul
  Hoje tirei nosso amor de caixas e de saco bolhas. Tirei tudo para olhar novamente. Retratos com caretas, eu deitada no seu colo no sofá laranja, eu guiando seu corpo no meu vazio. Tirei lembranças da vida que não conseguimos ter e esperanças de viver algo bom no futuro.
  Vi no fundo da caixa nossos rabiscos de quartas à noite. Lembrei que passávamos a noite toda desenhando, musicando tristeza e fazendo alegres poemas. Tirei filmes que nunca terminamos de assistir. Lembrei de dormirmos na sala inúmeras vezes no colchão. Lembro de você me olhar no banho e de sempre apagar a luz.
  O lençol de cetim vermelho, meu batom vermelho, tua camiseta vermelha, teu tênis vermelho... Em alguns momentos fizemos até deus duvidou que vermelho era uma cor pura. Parecia que só existia quando uníamos a tua cor na minha. 
  Entretanto, não demora muito para eu achar nossos traumas. De vermelho você secou seus olhos de lágrimas e saiu com seu violão. De vermelho você deu as costas e foi embora passar um tempo. De vermelho você compôs as que me mandam embora... Bem, o vermelho começou então à sair da casa. Nem a cachaça ou o rock poderiam evitar isso. Bebíamos muito e nem sequer cambaleávamos. Riamos muito sem alegria nenhuma sentir. Já não era igual. Já não era leve.
  As músicas no rádio eram as mesmas e eu quase decoro o tempo de cada uma para entender quando você voltaria. Você volta com perfume da noite e olhos alcoólicos tentando encontrar em mim casa. As suas costas estão mais cansadas que antes e já não me apetece mais dormir ao teu lado. O cetim desbotou, teu tênis desbotou, meu batom acabou, o sofá laranja ficou amarelo e deus agora já não olha mais para nós.
  O fim tinha chegado com cheiro de calmaria, com maré baixa. Veio sutilmente sussurrar no meu ouvido as verdades que eu preferia achar que eram mentiras.
  Mentiras... Acho que era o combustível de nosso amor. Eu mentindo os horários diversos que eu chegava, você mentindo outras bocas. Eu mentindo força e descaso. Você mentindo interesse.
  Dessa vez tudo estava de cabeça pra baixo e eu já não te mandaria embora. Dessa vez eu que ia. E eu fui. Eu fui embora e você nenhum dedo de misericórdia levantou para fazer-me ficar. Nenhum esforço para que eu não fosse. Nenhuma esperança de que daria certo. Apenas me deixou ir, como quem nunca se importa com o que perde.
  E hoje, olhando essas caixas tão bem empilhadas, com plástico bolha, ensacadas à vácuo e bem cuidadas, só tenho um pensamento: Fogo!

"Sos la razon de los volcanes trepidar
Y hasta en el encuentro de tus calles hay azar
No más, quizas, encuentres fuerza en la soledad
Aunque haya un diablo que te prive de tu libertad"


Chumbo

Ricardo Caldeira - flickr.com/samba_raul

Era um bar bonito de paredes sujas. Sinuca, bancos jogados no chão, silêncio pós-gritaria. Ele está no canto sem camisa, uns dez quilos mais magro e uns 20 anos mais velho. Sua barba está enorme tal como de Nietzche e seus olhos vermelhos e fundos. Suas mãos todas feridas pingam sangue, sua boca pinga baba aos poucos...
Eu entro. O lugar parece uma cena congelada de um filme de tarantino. As cores fortes como de uma polaroid. Ele parece sentir minha presença e meu cheiro mesmo que eu ainda esteja longe, olha-me por baixo e vejo toda a fúria em seus olhos. Um ódio que ficou guardado por 23 anos e que eu abri tal como Cristo abrirá a porta do inferno um dia.
Eu seguro forte o terço enquanto ele vem cambaleando em minha direção. Seu olhar de caçador me come ainda que de longe, dilacera minha carne e me consome a alma. Antes que eu possa sentir sua respiração perto de mim eu já estou cansada.
Nos vemos e parece que podemos conversar em silêncio, como nunca fizemos antes. Ele me olha no fundo de meus olhos tremendo lábios, coluna, mãos. Ergue seu corpo pra trás de olhos fechados, esticando sua coluna, estralando os ossos do pescoço... Me olha e fala em letras minusculas.
- foi chupando sua língua que tomei do seu veneno em pequenas doses, sua vagabunda! foi trepando com teu corpo que acabei vendendo meu corpo sem parcelas e com juros! foi dançando à sua voz que fui entorpecido.
foi escrevendo em teu corpo que fui seduzido. foi nas vezes que você me mandou embora que fui perdendo a sanidade. foi nas noites vazias na tua casa que ficando cativo. foi na sua cama que me viciei. foi na sua boceta que aprendi a gozar. foi olhando teu sorriso que fui esquecendo do meu. foi querendo teu melhor que acabei sendo esquecido.
Ele cai nos meus pés, ofegante, agora não mais com olhos de raposa, mas me olha como um coelho. Eu o olho de cima e meu rosto não consegue produzir nenhuma reação ou expressão nítida e certa. Ele rir de minha frieza e tenta chorar do meu descaso.

Eu fico entre cortar-lhe a garganta e salvá-lo.


"Ela é feita de cabelos e ossos e pequenos dentes

E acho que não posso falar
Ela vem como um brinquedo aleijado
Sua espinha é apenas uma corda
Eu prendo todo nosso amor nessa chapa
Prata firme como pernas de aranha
Eu nunca quis que isso se arruinasse
Mas moscas botarão seus ovos."


Verde



Ricardo Caldeira - flickr.com/samba_raul


minhas mão manchadas de vermelho não sei se pelo batom que ela tinha ou se pelo tom de seus cabelos, mas minha mão está manchada de vermelho e à medida que eu vejo esse vermelho em minha mão meu coração se aperta e o ar falta e os dentes rangem e minha cabeça dói como quando bebo demais na noite e durmo pouco, acordando cedo para trabalhar, mas não me lembro, não consigo lembrar, não sei se é do vinho ou da sua boceta vermelha, mas minhas mãos pingam vermelho pela sala, pelo quarto, no corpo de meu filho, no tênis que ela me deu, pinga fazendo rastro do que não lembro e do que me dói, e por falar em dor, esse vermelho não só dói no meu pulsar, quanto mais vermelho fica mais doi o pensar, quanto mais doído fica mais fica dificil carregar esse pesar de não saber de onde vem a cor que ela mais gostava e mais esbanjava, o vermelho, esse que não sai com a chuva, não sai, não sai, embora a chuva queira lavar minhas mãos, o vermelho parece não sair de entre meus dedos, nem sair debaixo das unhas, não sai de minhas mãos, essas que um dia foram maestro da orquestra que ela tocava, essas que esculpiam massa quente a quem decidi chamar de amor, esse que sumiu depois que esse vermelho me apareceu, e o cheiro desse vermelho lembra noites que minha cabeça mal se lembra, mas se lembra de ter tido vontade de ser feliz, ter tido vontade de degustar de toda aquela fruta suculenta e molhada, noites que pareciam não ter fim, regadas do vinho que ela trazia nos copos de requeijão e molho de tomate vermelho para almoço, será então esse vermelho do extrato de tomate ou será do almoço ou do vinho, sei que minha cabeça não descansa, roda, treme, corre, cansa e não se alimenta a dias, pois todas as vezes que olho pra minha mão vejo minhas mãos manchadas de vermelho e isso faz meu corpo secar até que meus ossos da face estejam expostos, até que tremer em nervosismo seja meu novo ritmo, diferente do que tinha com ela que dançava e rodava como quem não se sente com raízes, diferentes das rosas vermelhas com que se assemelhava, rosas vermelhas, que só me lembram que minhas mãos estão vermelhas.

"she is driving me mad, is driving me..."

Todas as minhas cores viram nuvens

  

Ela vinha andando de branco no meio da praia vazia. A areia fofa parecia formar uma névoa nos seus pezinhos pequenos. Um corpo magro que flutuava entre a linha que separa mar de céu. Eu vou sempre lembrar dessa cena, como se estivesse pintada, emoldurada e pendurada no meu apartamento.
-Prometo não ler mais suas cartas nem mesmo ouvir tuas notas. Vou me calar e afastar de você tal como meus problemas fazem com você. Armados e ferozes esbravejam na tua porta quando um pensamento teu cai no pecado de me visitar.
  O bege e azul do fim de tarde pintavam lindamente seus olhos, desta vez nem escondidos atrás de grandes vidros ou pintados com carvão. Puros, tal como olhos de anjos. Cabelos circunvulados, vermelhos, flamejantes! Descia sobre suas bochechas salientes em câmera lenta, como se nos meus ouvidos estivesse tocando Nouvelle Vague.
Estou, portanto, indo pro porto pegar o mar. Vou ver nuvens tecer meu mapa na superfície mole dele. Escorregar dentro de sua imensidão e esquecer-te enquanto minha mente não faz questão de lembrar de você.
 Eu poderia morrer depois de ver isso, certo de que fora a primeira vez que a vi inteiramente. Nunca vi olhos castanhos tão sinceros quanto os dela. O ar frio e sutil daquele bendito fim de tarde exorcizou sua língua afiada, seus pensamentos lascivos, sua voz boêmia.
Aos poucos voz, cheiro e beijos serão apenas uma lembrança vaga em minha mente. Suas palavras não farão mais meu corpo se arrepiar e nossas calorosas conversas noturnas não produzirá em mim mais nenhuma gota.
 Sempre a viram - e verão - andando com pequenos passos entre gigantes, com olhos de um soldado romano, com a inclemência de um ditador, com a armadura velha e pesada, gritando contra os leões e empunhando sua espada. Podem ter até companheiros de guerra, mas jamais a verá dizer que cansou ou fraquejar durante a peleja.
Quando então curada estiver e de teus olhos melindrosos não mais lembrar, nem de teu cabelo bom para bagunçar, nem de tuas costas... Volto para fazermos carnaval fora do compasso. Volto para dançarmos com lua artificial. Volto para beijar-te pela primeira vez de novo.
  Aquela tarde de fato deveria ter virado música, ter virado filme, ter virado poema! Dentro de sua fragilidade, imersa em seus devaneios, cheia do seu mais puro vazio! Branco! A silhueta de suas pernas finas bordando o algodão branco. Seria uma bossa nova com voz suave. Seria blue valentine...
Mas por hora, não pense que meu coração é de ferro e que meu corpo é frio. Não pense que a força que pinto na cara é a que trago comigo. Não me veja com esses olhos que todos querem ver. Não acredite que os leões que solto são ferozes.
 Eu a vi. Ela me deixou vê-la em todas as suas cores.
Eu voltarei com voz limpa e sóbria. As cores estarão pintadas pelo Sol. A nova ordem é a calma.

Da dor, do medo, do fim.


 - Depois de todo silêncio regado de álcool e drops, deixe que os gritos de sua alma sejam escritos e pintados. Deixe ser representado em telas zakurísticas o que teus olhos amendoados ainda não mostraram. Deixe que vire um blues, um rock. Cante sua dor por aí. Depois deste silêncio é preciso levar suas palavras pra passear.
  Agora deixe de lado o copo e a garrafa, venha na beira do mundo e, como quiser, grite! Faça sua dor ser ouvida pela sua boca. Deixe que ela dialogue com você, que lhe tire a respiração, que lhe sugue a alma. Ela enfraquecerá teu ser mas não teu espírito. Espíritos visionários não se cansam, não fraquejam, não desistem. Mas deixe-a dominar-te. Grite sua dor a ponto que ela se materialize em uma pessoa e deixe-a bater em você. Ela te espancará até que seus dentes fiquem lavados em vermelho e seus olhos já não abram mais. Não fuja, só deixe que ela crave unhas em teus lábios e que te levante pela garganta. Deixe ela puxar tua costela até que seu corpo estrale.
   Não pense que é loucura. Não passa nem perto disso. Se faça fraca, tire sua armadura e sua máscara. Tira seu batom e e seu óculos. Se possível venha nua e seja flagelada pelo o que mata aos poucos. Lance-se na parede e esmurre o próprio olho. Fala tua dor! Grita tua dor! Chora!
   Faça algo antes que ela contamine seu corpo. Escreva algo antes que ela tampe sua garganta. Chore um pouco antes que você se acostume com ela. Chame-a pra briga. Perca essa briga. Perca seu medo de perder-se, de perder. Meta a mão na parede, porra! Meta a mão no vidro, porra! Dirija um carro e o arremesse contra a parede.
   Coma sua dor com farinha e beba suas próprias lágrimas. Pinte sua dor e a exponha no quarto. Deixe que ela tire sua força. Deixe que ela quebre sua bola de vidro. Deixe que ela quebre os espelhos da sala. Xingue-a e a cutuque com vara curta.
   E... Quando já não tiver força, quando já não puder fingir força, quando já não quiser ter força, venha cair em meus braços. Venha se deitar em meu colo e deixe que eu passe a mão nos seus cabelos. Deixa-me brincar com suas bochechas e rodar você com a nossa música. Quando deixar toda sua armadura de lado, quando as máscaras estiverem caídas, quando não houver capa sobre ti, venha. Venha como é, sem artifícios ou palavras. Venha para conversarmos em silêncio. Venha para dormirmos. Venha ser fraca ao meu lado.

  - Não me deixe só.

Deixe

  
Leve daqui, Cigano, seus olhares debochados. Leve sua indecisão e seus pés livres. Leve seu desamor e sua frieza. Leve os elogios para outros e seus espinhos para mim. Leve aqui seus beijos alucinados e suas letras corridas. Leve aqui a tinta que corria em teu corpo e teus olhos também. Leve teu sorriso, você nunca o usou e agora que não vai usar. Leve seus segredos então, leve seu violão. Leve o quadro em pedaços, leve as jóias da coroa, leve seus passos, leve o que for seu. Mas, não esqueça, por favor, de deixar sua despretensão e seu descaso. Quando sair, apague a luz.
  Leve daqui, Palhaço, seus falsos elogios. Leve sua arma de controle e seus sorrisos manipuladores. Leve seus olhares mentirosos e seu ardor fingido. Leve sua dúvida, leve sua trupe e seu circo para outro lugar. Leve sua boca manchada e seus olhos pintados para frente do espelho, mas não se ponha diante de mim.  Leve suas mentiras e suas promessas amarradas para que não me lembre delas. Mas, não esqueça, por favor, de deixar tua coragem e tua intrepidez. Quando sair, não me toque.
  Leve daqui, Padre, todo seu medo. Leve suas crenças e sua negatividade para longe de mim. Leve sua cabeça-dura e sua teimosia numa fé absurda e sem cabeça. Leve seu medo de confessar, sua vontade de se calar. Leve já daqui essa sua sensatez e teu equilibrio. Mas, não esqueça, por favor, de deixar tua poesia e perspicácia. Quando sair, não me beije.

deusa

 
Cintura fina e quadris largos. A sua boca é perfeita pra mim: lábios superiores levemente mais salientes que os inferiores, avermelhados. Os olhos amendoados de noites e noites ébrias são delineados fortemente pela cor que parece ter sido feita para ela, o preto.
 Ela é daquelas moças que acordam tarde por que passam a noite toda entre rocks e drops. É aquela que fala com a mesma propriedade de sexo e carros, de casa e de comida, de rock e de samba. Vermelho é o batom e este acompanha o tom de cabelo. As mãos rápidas me guiam para a boca do abismo antes que eu possa entender que estou andando. Ela me provoca saudade da minha adolescência.
 Sabe-se que sempre, mesmo em tempos de boemia e pilantragem, eu sou uma pessoa centrada, calculista. Não por uma força interna, por um querer sem razão, mas sou assim por que os céus de meu nascimento disse que seria e o mundo fez peças e ensaios pra que isso permaneça assim. Entretanto, em sua presença, o chão se dilui em lama e no lamaçal ela me faz querer dançar. Desnorteia a minha mente, brinca com minha alma, seca minha boca quando me olha com seus olhos e a enche d'água quando bebe cerveja.
 Ela me dá medo pela falta de medo dela. Parece tão inabalável, revida pedras maiores que ela mesma, dança na presença de seus inimigos. Enquanto os cães latem na sua face ela sorrir sarcasticamente. Ela me assusta. Me faz tremer dos pés às sobrancelhas. É do tipo daquelas doidas quentes que vemos em filmes e nos apaixonamos pelos poucos segundos de cena. Ela come meu interior. Faz do meu juízo um tapete onde ela deita, ama, bebe sua cachaça. Usa minha boca como cinzeiro e de curiosidade faz meus olhos virarem.
 Quando rabisca guardanapos usa como tinta saliva e lágrimas. Tira a máscara e limpa o rosto. A tristeza combina tanto com sua idade. Quando fuma usando as pontas dos dedos e dos lábios, lembra-me pinturas que fazia no quarto quando mais novo. O cigarro combina tanto com sua tristeza. Quando me olha, me estremesse alma e as pernas. Eu perco as quadras, as entradas, as saídas. Suspeito que ela tenha saído dos livros do Carrol, ou Bazzo, ou do Miller. Pode ela realmente existir?

Sete


  E se eu deslizar meus dedos em teu pescoço e sem tirar meus olhos dos teus eu levar sua alma pra passear... Ou se eu arranhar levemente tuas coxas e beijar teu peito tirando teu ar? Você imploraria pela morte? Choraria chamando sua mãe como uma menininha esquecida na escola? Ou deixaria meu primeiro e mais perfeito pecado tomar conta de você?
  E se eu te chamar pra perto e deixar que você pague por tudo o que já fez? Gastar todo seu dinheiro em uma só noite com drogas e rocks? Se eu jogasse seu celular pela janela e trocasse sua carteira por um cigarro com qualquer mendigo, você se importaria? Gritaria comigo para que eu mantivesse você grades que seu medo de liberdade lhe impôs? Ou deixaria meu segundo e mais perfeito pecado tomar conta de você?
  Ou quando eu molhasse meus dedos de mel e enchesse teu corpo com álcool, ou te desse o que comer todas as noites, ou se deixasse empanturrado do banquete que te serviria de noite, de dia, onde quer que os olhos não vissem-nos... Você se afastaria de mim? Colocaria entre nós uma distância de quilômetros pra fugir disso? Ou deixaria meu terceiro e mais perfeito pecado tomar conta de você?
  Se eu pegasse suas mãos, amarrasse as no trem, e de vagão em vagão lhe provocasse à raiva, a cólera... Se de medo e ódio eu fizesse você gritar, enquanto no colo de suas amigas eu me servir ou da boca delas eu beber a água que não me sacia... Você me deixaria para trás? Rasgaria meus retratos e cartas e roupas? Ou tomaria conta do meu quarto e mais delicado pecado?
  Ou se de todas do bloco eu fosse a mais bela e meus olhos, lábios, pernas e cintura fossem só teus... Se não olhasse para nenhum outro e para nenhum outro oferecesse minha atenção.... Teu coração se encheria de orgulho até que a soberba pudesse ter lugar ou deixaria para trás o meu quinto e mais cruel pecado?
  E quando o dia estivesse laranjado, se eu me deixasse com você na rede pra ver a chuva cair e lá ficássemos até o Sol secar a água do mundo enquanto tua boca não deixa a minha sede chegar... Você teria paciência? Ficaria parado quanto tempo enquanto deito ao teu lado? Quantos dias passaríamos na horizontal? Ou você se desesperaria vendo tudo isso com olhos entediados de quem nunca tem o que quer?
  Mas se eu fosse embora por um tempo, usasse outras fantasias nesses carnavais, com outros pierrots me enamorassem, e por eles verdadeiramente me apaixonassem, os acalentassem em meu seio e os beijassem a boca, depois de você de medo ter fugido, de temor ter corrido e de covardia se borrado... Deixaria tão somente a inveja tomar conta de ti? Você se renderia ao pecado mais sórdido e sem valor, mais triste e sem parceiro?
  Teria fé pra tudo isso?

Refletor.



Confesso que hoje não há lugar em mim que já não queira um bom pecado. De certa forma eu acostumei a viver entre o mel e o fel e acho que isso seja bom. Até parece que perdi a noção do que é bom e do que me fere. E agora já não sei se sinto tudo ou se estou tão insensível como antes. É brincar com sagrado e profano. Não falo de um mal remediável, falo de algo que não tem mais solução. Como outrora diria: "ele pôs um feitiço em mim". Agora os dias correm, as noites se prolongam e tudo o que passa pela minha cabeça é a vontade de beber mais dessa garrafa.


O que se encontra aqui é um desejo incontrolável. Não é algo que eu possa desfazer ou simplesmente contornar. Não dá pra enganar e não tem como desfazer. É algo que é guardado e inconfortável. É como preferir andar sobre espinhos. Tanto dó quanto aquece, e baby, eu amo esse calor.
Não há muito o que se dizer. Não há nada na Terra que explique essa minha paixão por querer dar mais do que tenho e ainda assim, me prender de todas as formas. Talvez, por que essa solidez que rege você me guia também, talvez por que eu tenha me apaixonado por teus erros, talvez por que de fato, somos só isso mesmo e nada além.
Então, vou deixando por um triz, o impossível necessário, por medo de não me acostumar com algo diferente. Vou pecando com os mesmos pecados. Me trancando com as mesmas chaves, esperando se você vai ver os tic-tacs do relógio soarem o código para me abrir. E às vezes proponho pra mim mesma"façamos diferente do passado" mesmo me vendo presa à algo que construirmos. Como uma bola e uma corrente que  pos se a mim em algo nunca imaginado. E nessa prisão eu me faço feliz. É pele sobre a pele pela tarde...

Um sonho de uma noite de verão

Naquela noite não houve festa, ela não havia bebido, mas seus olhos borrados de preto denunciavam que algo tinha acontecido. Ela entrou na sala cambaleando só, mas falava muito com alguém que nunca apareceu.
Não estava linda, mas estava com algo que certamente me chamou atenção. Pulse estava estampado em seu corpo, como outrora fora dito, de curvas sutis. Deitou-se no sofá azul e ficou olhando fixamente para o teto cinza. Se eu pudesse ter tocado ela, aposto que estava frio, pois sua perna estava arrepiada, e arrepiava toda vez que ela sorria. Sua boca pálida evidenciava sua exaustão, sua sede.
Eu a observava como quem observa uma tela, procurando detalhes onde não existem. Eu a sentia totalmente desassociada de minh’alma e intimamente ligada a ela. Sabe quando a tristeza se torna bela? É exatamente o que pensei quando vi.
Sorrateiramente o cinza do teto começou a se escurecer. Parecia que todo o Atlântico tinha caído sobre ela. Nunca houve chuva como aquela. Da janela cozinha a Lua se espremia entre uma nuvem e outra e conseguia iluminar o rosto vermelho dela com uma luz azulada. Os raios gritavam alto e iluminavam a cidade que tinha dado blackout. Cada um deles como um desenho de Frank Miller. A casa estava escura. Apenas um feixe de luz saindo da janela da cozinha.
Calmamente, ouve-se a porta correr em seus trilhos. Ele está ensopado. A água molha seu rosto e a luz da cozinha transforma cada gota em um prisma. De longe, ele está se derretendo em cores. Ofegante. Ele fica parado na porta enquanto escoa todas as cores que ele tem pelo chão.
Ela levanta apressadamente do sofá e para poucos centímetros dele. Olha em seus olhos que também estão borrados, como nos fins de noites. Ele sorri tristemente para ela. Ela começa então a tirar silenciosamente e serenamente sua roupa. Relógio, colete, camisa, calça, samba-canção. Ele fica ainda com os coturnos, arrepiado por completo. Ele está deixando-a molhada aos poucos.
Eu queria ter mãos de Zakuro pra pintar aquela cena, pois certamente, é uma das coisas mais lindas que já vi. Ele escoando sua alma em cores, ela o secando com cabelos como se fosse a própria Maria Madalena secando os pés de Jesus.
Ele então, brutalmente crava as unhas em sua cintura, levanta ela e joga seu corpo sobre o sofá azul. Abre suas pernas como quem rasga um lençol velho. Se encaixa perfeitamente entre elas. Os olhos amendoados dela estão redondos, estáticos e assustados. Ele está louco e perturbado. Passa a mão no rosto. Arranha as suas pernas. Encara a moça. Então, deita sobre Pulse com olhos úmidos e esbraveja como um bárbaro: Nunca Mais.

Fale mal de mim


E que falem, gritem, apontem.
Eu nasci pra isso!
O alvo dos dedos caluniadores e do dedo podre deles.
Nasci para a raiva, o ódio, o rancor.
Para a lascividade, a arrogância, para a luxúria!
Não tiveram sucesso os que tentaram e teimarem em querer me colocar em uma fórmula de boa conduta. "Devoradora de homens" e "sugadora de mulheres".
A louca, a tormenta, o terror dos casamentos, o crack do século, a doença da década.
Falem, gritem! Aumentem meu cartaz!
 Que eu seja assunto das aflitas conversas das mulheres deixadas pelos maridos que deixei,
seja o assunto das mães que vêem seus filhos beirando a insanidade.
Vou mergulhar no fogo do inferno e vou voltar montada
nos mais terríveis demônios que a Terra ainda não teme.
E assim, quando o caos e o kaos forem instaurados nas suas casas,
lembrem de meu nome, lembrem de minhas palavras!
Atrás de meu nome virão multidões com suas foices
E tochas  sedentas pelo meu sangue
Já não temo as más línguas.
Já não temo as mentes enferrujadas e secas.
Que o mundo me abrace.

hoje



hoje a tristeza não tem música. não tem cor, nem letra maiuscula. hoje não tem título ou imagem bonita. hoje a tristeza veio se mostrar intimamente, friamente. veio sorrateramente pelas frestas de um sorriso, veio sutilmente beijar meu rosto. veio vestida de judas para me trair. feita como pedro para me negar. hoje a vontade de colo gritou muito mais alto que o barulho de uma velha armadura. a fotografia perdeu o sabor.
hoje eu já não posso ser só sua. o que você não me deu está na mão de outros. o que você me nega me oferecem diariamente. não posso ser completa ao teu lado se você me dá gotas do que é. já não rolo tanto na cama à sua procura. já joguei fora as caixas de "nosso amor" que só foi meu. hoje memórias suas me bateram à porta, entraram, sentaram-se e papearam comigo me lembrando noites vazias e frias.
já não sou só sua, pois você um dia quis assim. a tristeza de hoje me levou os planos e rascunhos de uma vida com você. é triste ver que não foi salvo o que poderia nos salvar. um dia fui esse hoje pra você, eu sei. pra você eu não era e não era preciso eu saber.
hoje só tenho memórias daquele carnaval que então me desarmava você ia embora. hoje a tristeza não tem música. não tem foto. não tem cor. hoje a tristeza levou todo meu café, levou você de mim. eu sinto falta, mas gosto dessa falta que me faz.
hoje eu preciso de um colo que nunca tive. não preciso de momentos de tesão ou de felicidades. hoje eu quero sentir essa tristeza no mais intimo que ela possa me tocar. sentir toda, completa, certa, pra acabar de vez. hoje eu preciso ser conquistada. tratada com cortejos, elogios, falsos-elogios. quero sorriso e admiração. hoje eu quero o não.

o outro

E se ele te chamar pra tomar uma cerveja?
E se o beijo dele te fizer ver mais estrelas que o meu?
E se as mãos dele forem maior que as minhas?
E se ele te disser palavras mais bonitas que as minhas?
Mas e se ele tirar o violão da sacola e tocar uma música pra você?
E se ele tiver um sorriso mais branco que o meu?
Minha preta, e como fico se ele tem mais elogios?
Se ele souber como tratar uma mulher, como fico?
E se ele te abraçar na hora certa? Que culpa tenho eu pela a estrada?
E se o corpo dele for mais quente?
E se ele escrever sobre você melhor que eu?
Se ele dançar melhor que eu, minha flor, se ele dançar melhor que eu?
E se você, por algum elogio, dança ou beijo, se encantar e esquecer de nosso amor... Que faço eu das músicas e dos planos que tenho?
Onde coloco nossas caixas de papelão e nossos passarinhos?
Preta, que faço sem teu corpo, teu beijo, teu amor?

Queridas meninas

Ela estava linda naquela ocasião. Eu passei por ela e pela pressa e ansiedade eu não reparei no que havia passado por mim. Sentei-me alguns lugares depois do que se tornaria meu vício. Comecei então a reparar em quem estava na minha frente e seus adornos me paralisaram a visão. A voz saia tropeçando entre palavras que não podia dizer. Minha mente tão racional e negando meu signo me dizia: "Não se prenda a isso. Não se prenda a isso. Atenção!". Mas meu corpo queria algo diferente, queria tão somente tocar na pele branca de seu corpo, comê-la viva ali.
Resolvi me aproximar, atrás dela me sentei e para outra dimensão eu fui. Meu corpo inteiro se desfaleceu e se não fosse à campainha, o êxtase de me aproximar dela não teria acabado. Um furo na camiseta azul, costas desenhadas para que as deusas tivessem inveja. Quase tombo sob ela, numa vontade repentina de tê-la a qualquer custo.
Seu nome me soa familiar e todos os seus traços pintaram em meus olhos uma tela digna de Sylvia Ji. Eu parecia um brinquedo em sua mão, uma adolescente apaixonada. Ela me olhava e eu sorria compulsivamente. Solta, desinibida, parecia ter sido banhada em naturalidade. Prendia-me com maestria no jeito em que sorria, falava e simplesmente ficava quieta.
Um caderno, alguns scraps, desenhos diversos. Um texto a três mãos. Uma letra específica. Ela me encantou completamente. A doçura em forma de uma agressividade natural e imperceptível.
Hoje ela me visita em sonhos, em desejos e poluções. Volta à memória quando entro na face, quando vejo a tatuagem, quando me lembro de gatos e cadernos. 
Não! Não pense que isso é o que é tudo, de fato. Não! O que consegui colocar aqui não é um terço do que realmente passa dentro de minha cabeça. Não dá, não dá. Não dá... Eu só quero só desejo, só venero...

"Nunca foi tão claro como agora. Nunca foi tão real como hoje. Nunca senti tão profundamente!"



Não me deixe só

Por que você lê nos meus olhos o que as palavras não dizem, não transcrevem, não saem. Minha tristeza chega em você antes e você faz questão de curá-la antes que ela me derrube. Entende meus stress e me acalma me dando porções de tua bebida, de tua música. Leva letras para que eu encontre, me deixando brincar no teu favorito passatempo para me manter no universo que é só teu, antes que eu me arme de novo. Com o teu violão, encanta meus medos para que dancem longe de mim. Me deixa tropeçar nas palavras, cair entre virgulas e faz do nosso mundo uma oração entre parênteses. Me faz encarar a verdade e me perde entre tic-tacs atrasados. Não se enciuma quando me ver com outrem. Sabe que sua fui desde o momento que me deu nome. E na amizade que não dói, no amor que não finda, me faz cativa de teus folhetins e me cria novos mundos todas as vezes que o meu é consumido pelo fogo. Não me deixe só, meu amor.

Um dia sem você

Abri meu coração pra você e você não abriu.
Pedi por favor e você fugiu.
Eu também fugi.
Chorei, chorei.
Me esqueci de mim.
Em casa fiquei pensando em você.
Chorei, chorei que fiz um balde encher.
Passei a noite a chorar, fiquei tão angustiada que fui ao bar.
Conheci um homem e estou feliz desde ontem.

Anna Cecylia 20-07

Mentiras pra você


 Foi por acreditar em seu mundo de cores que Camila acabou pagando pela sua fé. Foi por crer em palavras ditas em euforia. Por crer em olhos amarelos jurando eternidade. Por crer em lábios ternos um amor adolescente. Por crer em olhos puxados quando lhes prometeram as estrelas.
 Foi por acreditar nas palavras de um certo andarilho que ela abriu os olhos para a realidade. Suas pupilas dilataram, seu olhos doeram, sua cabeça sacudiu e o ar faltou quando viu todas as cores vesti-la de negro. Foi por acreditar que tudo o que tinha passado era num tom de amarelo-dia-de-sol que viu suas noites se tornar cinza-cor-de-coração-pesado. O seu mundo tinha sido apagado com o látex da covardia de um andarilho leviano. Um pouco de bebida, umas notas jogadas na rua, uns trocados no bolso, uns dias imersa na água... Tudo aos poucos foi levando seus pés para a beira de um precipício que ela nem viu subir. Foi por acreditar em encenações tão bem feitas, que começou a se encantar pelos palhaços que passaram pela sua vida. Achava engraçado como os palhaços pareciam querer salvá-la sempre, mas não sorriu quando os dois deram as costas para ela.
 Foi por acreditar que as coisas são como ela vê que seus olhos não vê nada além do seu teto cinza hoje. Sua proteção está mais grossa agora e parece virar uma castanha de tão dura a casca. Impenetrável, incorruptível, inconsolável. Os cabelos soltos cobrem o rosto amargo e o cigarro desfaça as palavras pesadas. E então foi dado o golpe final, a ultima cartada, o tiro na nuca. Com seus pássaros veio quem parecia ser esperado. Foi concebido enquanto o seu campo florescia, enquanto os campos estavam brancos de algodão. Foi gerado com fogo, com liberdade, sem medo. Foi escrito nas costas suadas com as unhas dos quatro dedos dela.  No balanço triste e profundo do blues, no sexo do rock, na levada do samba, nasceu o que ela não podia acreditar, não podia, não, não, não. Saiu de entre as feras, a peste mais forte, mais sensual, mais perspicaz, fazendo-se de todas as formas o mais parecido com ela, rodeando antes de devorar teu corpo, antes de correr suas entranhas com seu leite.
  Ela acreditou em promessas ciganas, em palavras secas. Viu seu corpo afundar e emergir centenas de vezes antes de perceber a realidade, e como uma dançarina ela veio, como quem não quem não quer nada, ajeitando o ombro no queixo, fazendo seus passos lentamente, até que a tirou pra dançar. Nessa sua dança, Camila girou, rodopiou... Até que caiu. Seu talento escorreu pelas mãos, sua voz se esvaiu, perdeu seu parceiro e o resto de coragem que tinha pra olhar no espelho. Agora um novo futuro será traçado.

Se fosse verdade


- Eu... Eu ainda não sei o nome dela, mas ela é como daquelas mulheres que não se esquece. Daquelas mulheres que olham nos seus olhos no meio da multidão e por alguns segundos consegue deixar sua visão turva. O corpo adolescente e uma mente fantasiosa, ela engana com a língua aqueles que não vêem seu coração. Não se rende fácil e costuma observar o abismo da ponta. Ela atrai os inimigos e costuma sempre cutucá-los com suas palavras ardentes, sem se importar muito com o que pode ou não acontecer. É daquelas que derruba o copo no chão sem olhar ou evitar.
  Por fora, ela é exatamente o que precisa ser: alguém que devolva palavras piores, com seu escudo maior que a batalha, decepando a visão dos inimigos guiando-os para o que acreditam ser. A aparência de filmes escuros, a voz de um dragão, a impureza e indolência. Sem dó, sem pena, sem conseqüências, ela baila em calçadas levando seu corpo aos limites mais altos sem esperar que haja mãos para apará-la no ar. Coleciona mentiras e desamores, distribui desaforo e socos. Uma garrafa de cachaça... Uma dose a mais... E seus leões fazem a guarda de sua casa vermelha. Sai armada até os olhos para prevenir feridas que nem sabe se vão se formar.
  Seus pais já não se importam onde dorme o que come ou quais drogas já se viciaram nela. Pra falar a verdade nem sei quem se importa. Ela entrega seu coração para quem é tão leviano. Seus segredos para os que disseminam o mal e seus problemas em forma de conselhos.
  Mas eu a vejo. Sempre a vi. Vejo seus porquês e entendo seus atos. Já trilhei pelo caminho que seus pés andam, já bebi da água que ela bebe e sei como é manter o rosto pintado para alegrar e desagradar outrem. Só por isso, meu coração ainda palpita em vê-la correndo para braços cruzados, se dando para quem nada quer, andando com quem não caminha com ela.
  Deus? Pra ela é como um amigo que vira as costas. Amor? É o que a deixa fraca e quase que invertebrada. Ela ainda assim, protegida por uma fajuta tinta, ver esse mundo de guerras e batalhas como poesia, como música. Pra ela ainda há uma paixão infinita num copo de vidro. Há amor em sacos plásticos. Há verdade em palavras molhadas de chope. Meia-noite como em conto de fadas, o encanto termina e ao abrir os olhos num quarto dado por um favor, ela olha pro teto durante horas, enquanto o ventilador resseca seus lábios, ela pensa, eu sei que pensa... Quem poderá estender a mão para tirá-la dali?

Quatro contra uma

A música, a dança e o fim.
  Começava tristonha, como um blues embriagado. envolvente e quente, com solos sutis de uma guitarra elétrica e com a marcação muito bem feita da bateria. O baixo dançava lentamente com a guitarra. Então, aquela voz que acostumou-se a gritar tanto em meio seus desesperos e noites boêmias, agora tem um só tom. Fala como se estivesse de frente para o espelho em dias difíceis. O barulho que estava lá dentro se rendeu à essa voz que ainda não tinha uma origem certa. Parecia que estava vindo de dentro da sala, parecia que estava apenas usando a casa como um mero retorno. Indiferentemente disso, a música transtornou sua cabeça. Encheu seus olhos de sangue, a raiva de vidas passadas voltou a tona e como dois pólos positivos o que antes se atraia agora se repele mutuamente.
  Cercada de interrogações e de reprovações, teve que fazer uma escolha em deixar de ser o que sua vida pregressa lhe ensinou a viver. Deixar seu lado frio e agressivo, trancar dentro de si todos os leões e suas aranhas para deixar que seus pássaros pudessem voar. Soltar a coleira das panteras que guardava em si e vê-las correr no pátio como gatinhos indefesos. Colocar no chão, parte por parte de toda a sua armadura, todas! Com cada uma das marcas de suas inúmeras batalhas, despetrificar seu coração, encher-se de gozo e aceitar-se vulnerável. Ou, muito mais facilmente, manter em si todos os seus artifícios sem para uma vida que tem hora certa para acabar, para que não tenha o pretexto de não ter força pra peitar fulano ou ciclano. Pra bater de frente com o que puder e se morder de medo pelos seus quatro medos, que mesmo vencidos, ainda perturbavam seu mundo. Deixar as lembranças de lado e se entregar numa nova era. Deixar a segurança de reviver mil passados, sofrer as mesmas dores e se entregar na insegurança de viver o novo e desconhecido.
  A música agora está morna. E as lembranças dela estão passando no seu rosto. Ela se desespera, coloca a mão no rosto como se enxugasse águas de um rio dos olhos, cerra os olhos firmemente e tenta esquecer. Seus medos saem todos para tentar lhe ajudar. O coelho agora como seu verdadeiro espelho segura pela a mão e tenta mostrar que nada disso é verdade e que tudo pode ser sentido diferente se usar um pouco mais da razão. O que chorava agora rir sem mais, embriagado de lágrimas e rancor, rir sem parar. Uma baba espeça e esbraquiçada corre dos cantos de seus lábios, tamanho fervor da risada. O terceiro medo, levanta-se do sofá rapidamente e a abraça, tenta trazê-la para dentro de sua casa, com o cheiro de sua casa, com um rosto pintado de cilada, ele tenta fazer com que os outros medos. O desespero visto naqueles olhos cor de vinho sobresaí qualquer desespero de vietnamita em tempo de guerra. Ela se vê derreter dentro de si repetidamente, a prisão é sua mente, seu corpo já não é seguro, escrava de sua mente. Está pequeno e claustrofóbico. Impossível de se respirar. Ela olha e vê seu mais temido medo, sério e calado, frio e sem dor. Ele vira-se e vai embora lentamente, como quem pede para ficar. Ela tenta gritar, mais um de seus medos tampa-lhe a boca, sufoca seu pedido de socorro, enterra suas emoções. E nasce em suas costelas, uma marca a mais, mais uma parte de sua armadura se cria.

Quatro contra uma

  
  Ela chamou todos os seus quatro medos para uma conversa. Marcou com todos os quatro no mesmo lugar, no mesmo horário, isso contando com o grau de atraso de cada um. Ela preparou o lugar com as coisas preferidas de cada um. Levou cachaça, rock, alguns livros e filmes, violões. Separou delicadamente uma porção de músicas para que eles pudessem entrar no clima da conversa. O aroma não poderia ser diferente, todos não escapavam do forte cheiro que ela exalava, então quanto a isso, tudo estava acertado. Velas. Uma infinidade de velas. Parecia uma igreja em dias dificeis de tantas velas espalhadas, pelo chão, pelos móveis, em cima e embaixo de todas as coisas. Se eu pudesse contar, diria que tinha uma vela para cada palavra.
   Como planejado eles chegaram todos juntos. O problema de seus medos era não enxergar uns aos outros. Cada um se via ali como se fosse exclusivo, dono da cabeça dela. Como ela esperava, cada um se acomodou na sua forma de existir. Um sentado numa cadeira de madeira com detalhes que lembram muito móveis reais, com pernas cruzadas, um lord dentro de um copo pequeno. Outro, sentou-se no sofá, como um amigo de muitos anos, alguém que conhece sua casa, alguém que é parte da casa. Outro, em pé, esperava o momento certo para se sentar, tudo calculadamente pensado e planejado. O último ficou do lado de fora.
   Ela os olha e sente seu coração palpitar em dor. Sabe o que vai falar, sente o que vai falar, planejou isso e até escreveu sobre, mas nesse momento, o silêncio parece cair tão bem, como cortinas em uma janela. Ela então entona a voz, afasta os cigarros e começa a falar. Primeiramente para o que se sentou primeiro, para que também vá embora primeiro. Olha no fundo de seus olhos e vê o amigo que sempre quis ter, uma versão de si mesma.
 "Reza a lenda que você me deu um nome e que esse me tornou o que agora sou. Reza a lenda que o final não é para nós e sendo assim, esta conversa é apenas uma das mil que teremos diariamente. Reza a história que seremos sempre assim, com todos os espinhos que você viu em mim."
  Ele se levanta e a abraça ternamente com um misto de amor, paixão, desejo e cumplicidade. Transforma-se em um coelho e senta-se perto os pés dela. Um medo já tinha sido vencido, deu o braço a torcer e deixou seu desejo de lado para trazer o companheirismo à tona.
 Ela então vai ao que estava em pé, para que antes que ele se achegasse, colocasse ele de volta ao lugar que pertencia. Na minha visão, com essa ela foi mais dura, me deu um misto de sensações. Parecia que ela não o queria nunca mais, estava decidida à viver sem ele, ao mesmo tempo em que ele parecia lhe dar segurança e liberdade. Ela de pé, pegou no colo o coelho e disse em voz alta, como o tom que tinha quando brigavam:
 "Ora, meu amor, onde foi que você se perdeu? Onde nesse caminho que você me deixou? Onde estão tuas asas, meu bem? Por que agora você se esconde atrás de asas de metal, sorrisos de madeira e um coração de plástico? Erguer teu corpo em sacríficio ao nosso deus não é e nunca foi prova maior de teu amor. Vejo de longe o quão vazio está tua boca, em vista do que um dia fomos. Você veio, como diria o profeta, meu deu um pouco do seu amor, conversou comigo e disse que voltaria amanhã. O amanhã vai e volta e seus pés não se chegam mais em mim. Não há calor em ti e nem mesmo leveza. Tudo o que voava agora só se faz gélido e triste. O que houve com teu coração resfriado de tanta ventania? E quando que sua cabeça congelou?"
  Ele se tremia do alto da cabeça à planta dos pés como se estivesse possesso. Seu corpo se contorcia em ódio e seus olhos puxados estavam puro sangue e cólera. Ele fechou os punhos e contra a parede arremessou todo seu braço, abrindo um buraco entre tijolos e cimento. Depois, viu que seus dedos já não respondiam seu corpo e os tendões já tinham estourado. Ele se sentou no chão como um menino e colocou-se a chorar. Ela o olha com desprezo e dó. Um medo que ela tinha vencido, transformando-se no medo dele.
  O que estava sentado no sofá como um velho amigo, ficou olhando para ela falar coisas com ninguém (lembrando que os medos não podiam se ver), foi logo falando:
 "Quando foi que eu me perdi? Oras, quando você me deixou! Eu quis você e você foi logo marcando outra opção, me deixando só e fechado. Eu me perdi sim, mas só eu me encontrei, quando vi que você também estava só. 'Cê sabe do que eu to falando, eu sei que sabe. Eu posso ver sua cara de espanto quando eu começo a ver você por dentro. Eu ainda a quero, como quero todas as outras, como eu nunca quis ninguém. Eu não quero me acostumar com você, quero me apaixonar por você e te ver apaixonada por mim. Vou cuidar de você enquanto vou tirando sua capinha fajuta..."
  Ele continuou seu discurso por horas. Um única voz dentro do silêncio. Ela o olhava e o mantinha no mesmo lugar. Ela não o quis vencer, nem mesmo trazê-lo para perto. Ele era o medo que ela gostava de ter, uma pequena porção de realidade no seu mundo tão caótico com formas e cores em movimento tempo. Nisso tudo ele era a parte cinza e concreta do mundo abstrato dela. Ainda assim, leve, solto, livre. Ela o manteve no sofá, mas sua atenção se desviou bruscamente para o que lhe esperava lá fora.
  Estava frio e escuro. Tudo o que se podia ver eram brasas de um cigarro ilegal acesas e vermelhas, tal qual o seu cabelo. Ela deixou o coelho e o lugar, foi lá fora pra fazer seu ultimo ato, esse ainda não planejado. Suas pupilas se acostumou com o escuro e a fraca luz que resistia à distância consegui chegar a sua face gorda. A iluminação estava perfeita. Se via as curvas dos rostos e nada mais. Ela olhou nos olhos do seu medo mais cruel. Cruel por trazer a tona todas as suas lembranças mais mesquinhas e covardes. Cruel por fazê-la necessitada daquele mal. Ela o olha nos olhos e não entende ainda como atacar e muito menos como se defender. A fumaça alimenta aquele ambiente, ele não se esquiva, não ataca, não começa. Lá dentro ainda tem barulho, enquanto fora o silêncio é o cantor da noite. O tempo vai se quebrando e quando ela se ver novamente, está com os seios colados no peitoral dele. A respiração com cheiro do cigarro está na sua orelha, o calor quebrou o frio no meio. O coração dele está à mil e o dela já parou de bater. De longe se ouve uma música. (...)

bangbang





- Shiiiiii
- Que foi?
- É ela. A menina que falei.
- Quase mulher né.
- Shiiiiiii! Fale baixo.
- Certamente. Ela fez mesmo tudo o que você me disse?
- Sim. Come criancinhas, bate na mãe, ameaçou cortar a perna do pai e dá pra qualquer um. Prostituta e das piores, das que se vendem para comprar drogas. Deve ter todas as doenças do mundo. A AIDS nasceu dela. Tem cinco abortos nas costas e três filhos no orfanato...


  Oi. Meu nome é Anne. Às vezes Anne K, Anne Kawaii, Annie. Devo não prestar mesmo. Tem dias que acordo e digo pra mim mesma que não presto. Tem dias que olho no espelho e tenho vergonha do meu corpo, cabelo, nariz. As pessoas pregam muito ao meu respeito. Parece que carrego no peito um emblema que as autoriza falar, comentar e opinar sobre mim. Dificilmente desisto de minha opinião. Cabeça-dura é um termo que eu inventei. A sua religião, opinião, posição provavelmente não vão me influenciar em nada.
  Há quem diga que é carência de atenção. Há quem diga que é falta de caráter. Eu ainda não sei como chamar essa agressividade que tenho nos olhos e o veneno da língua. Não meço palavras para falar o que penso. Alguns saem feridos, outros criam o velho ódio no peito contra tudo o que penso, sou, falo, ouço.  Ainda assim eu saio deixando alguns casos de amor. As mães geralmente falam para os filhos: Se você ficar como aquela menina... Te mato!
  Eu não sou um bom exemplo e nem pretendo ser. Por muito tempo isso me foi cobrado e agora, dou maus exemplos gratuitos. Eu saio para beber, durmo na rua e estou sempre rodeada de meninos. Eu falo de putaria e uso rock'n'roll, falto o trabalho sem justificativa e coisas que não vou falar. Eu não me faço, não disfarço. De tudo não podem dizer que sou falsa. Eu não finjo e não forço amizade, não estou a procura de amor ou segurança. Sou egoísta e seletiva. A arrogância é um mau secundário, não é minha intensão. A minha reputação é maior que eu mesma. Não me preocupo nenhum pouco com meu cartaz. Prefiro até mostrar exatamente isso para os demais. Olhar todos irados, desgostosos e envergonhados com uma mera atuação é ligeiramente engraçado. Triste é quando me veem de verdade, olham através das máscaras e da embriaguez. Em 18 anos eu sou exatamente o que não queria que eu fosse e sou com louvor. Eu não abaixo a crina e não pretendo fazê-lo. Eu não sou o que você quer ver.
  Não tenho interesse em ser a mocinha da história ou a mais legal do grupo. Eu não quero muitos amigos. Eu quero os de verdade que sejam verdadeiros em todos os momentos, desde os de epifania aos de summertime, os que compreendem bem todas as fases lunares de um caranguejo tão escorpião. Não me interesso por pessoas que se prendem na minha imagem. Eu de fato não sou um bom exemplo disso. O pomo da discórdia, o prego que se destaca, a junkie. Falam de mim o que podem e o que não podem. Se eu fosse exatamente o que pregam, talvez nem vida me restaria. Eu não entendo por que falam. Ainda que fosse verdade, por que falar?
 Não me exija então, maturidade. As ocasiões sempre me forçaram à aceitá-la e para meu melhor, eu prefiro comê-la em pequenas porções. Não me exija que eu fale. Pra mim, cada pessoa é uma armadilha, até que me prove o contrário. Não me exija força. Se eu disse tudo isso é por que estou começando a tirar dos meus ombros o que já não consigo levar. Me deixe reagir à você e prepare-se. Não me exija fé. Eu não vejo esperança para mim.


Anne de Paula - Dois de julho de 2011

Do Capitão para o Exército


Vós, vestidos para a guerra, armados até os fios dos cabelos, munidos de coragem e sensibilidade única, treinados exclusivamente por si mesmos, não desistam.
As futuras batalhas que travarão serão as mais árduas de suas vidas e não haverá igual à outra. Trarão traumas talvez nunca curados, trarão iluminações advindas em meio a batalhas. Não vos encanteis com as belas paisagens, mas aproveitem tudo delas. Elas passarão, o céu se fechará, chuva forte cairá e é possível que neve também. Estejam preparados para isso e não para as boas vistas.
De fato, de verdade, não há um inimigo. Não é uma prova de força, mas de resistência e paciência. Vocês vão achar que já ganharam o mundo quando só estão na porta do seu quintal.
Não fiquem pensando em quantidade, tamanho, força... Tentem sentir a intensidade, a verdade, o fogo que virá pra vos aquecer.
Não fiquem, soldados, reparando na forma de lutar dos outros. Cada um tem sua porção de força, cada um tem seu valor, cada um carrega um capacete diferente. Entretanto, nunca deixem que tirem o seu, não aceitem uma transferência de capacete, luvas, armaduras ou quaisquer outro material. Sejam sempre completos em questão de proteção e segurança. Não permitam que vos troquem os pensamentos. Siga o que teus olhos vêem e como disse, o que a intensidade vai te dizer.
Sejam sensíveis. Não há possibilidade de ir para o campo sem o mínimo de sensibilidade para entender quando devem avançar ou parar. Se não desenvolveram isso, não saiam debaixo do seu acampamento, fiquem em casa.
Não se preocupem com o fim do caminho ou com o destino que ele vai guiar. Não fiquem preocupados se enfrentarão muitos moinhos ou se cairão várias vezes. Vocês sentirão quando deve seguir. Se houver perguntas sobre qualquer coisa, já é um sinal que não devem ir. Esta batalha é para os que não temem. No meio das tempestades, das batalhas, das atribulações, lembrem-se de não gritar. Gritar acorda problemas maiores que os atuais. Abram vossos olhos e lembrem-se que a armadura não deve cobrir o coração.
Vocês sairão de suas casas em rumo a inúmeras batalhas e elas te levarão para o seu lar.

As fases da Lua

O que está morto é deixado morto. Das cinzas uma vida nascerá. Outra fase se iniciará hoje, chamada Flamedua.

Significando o silêncio


Vamos queimar nossas caixas. Regar tudo com cachaça. Acenda um cigarro e jogue fora o seu fósforo. Certifique-se que nada ficará sem fogo. Quero ver as cinzas desse amor. Queimaremos tudo. Vamos ver o fogo de longe. Dará estalos com som de amor. A fumaça aposto que será vermelha. Sente comigo na grama, vamos ver tudo ser consumido pelo fogo.
Quero assistir até que o fogo se apague por si só. Ver a fumaça cobrir o céu e ressentir o que eu sentia na época que estava embalando cada um deles com plástico bolha. Acenderei um cigarro pra assistir. Meu peito estará gritando mas temos que fazer isso. A música já não faz sentido e as cores estão se escondendo dos meus olhos.
Minhas palavras, veja só, estão desligadas e sem nenhum sabor. As coisas mudaram e nós não vimos. Então por hora, vamos queimar tudo o que nós tínhamos. Os desenhos, textos, sexos, beijos e suspiros. Tudo bem ensopado de álcool e queimando à luz da Lua. Vamos finalmente cremar o que já estava morrendo. Como quem ver o velório do pai, vamos assistir nossas caixas se desintegrarem com tamanho calor.
Vamos queimar tudo. Vamos fazer tudo novo.

Outono

 
 E agora que meu ventre está gerando o que vai poder me matar, baby, eu só quero ir embora. Vou ligar para meus amigos e dizer que está tudo bem, é temporário. Amenizar antes que algo pior aconteça e não tenha como falar. Vou perguntar sobre o projeto de vida que eles têm e sorrir com eles. Vou rir e gargalhar do sarcasmo, mas baby, quando isso acabar, me leve daqui.
 O Sol está se sentando todo formoso e gordo para assistir. Meu pai está rico, ela está cada dia mais bonita (ao mesmo pé que está ranzinza), Anna crescerá muito segura desse mundo. Baby, está ficando tarde e eu tenho que ir.
 Sabe do que mais vou lembrar? Do sofá laranja. Eu já sorrio esperançosa toda vez que lembro dele. Noites nele, algumas noites difíceis de se passar, algumas noites facilmente assobiáveis. Terei mais saudades dele.
 Meu amor, é inútil fingir que eles nunca virão me buscar. Eles já estão aqui começando a levantar poeira perto de mim. Eu vi. Não sonhei ou devaneei. Eu vi. Vi vinte e sete cavalos se alinhando no monte. Eles desenhavam um novo Sol com suas silhuetas fortes, mas agora descem à galope para me encontrar. Baby, por que o tempo não me ama? Eu sempre guardei relógios para que de alguma forma eu pudesse guardar um pouco de tempo, mas ele sempre me teve cativa. Parece que sempre vou chegar atrasada.
 Acho que nesse rio de largas margens não vou entrar. Vou me apressar para o Oceano para apreciar os que me têm com apreço. HaHa! Viu como as palavras se encaixam? É tão engraçado. Eu vou dançar talvez mais uma música e olhar os barquinhos deslizarem no espelho azul.
 Baby, eu estou pronta. Pegue minha mão e me leve para o mar. Não esqueça meus óculos. Morrer é simplesmente lindo.

What do u think about the bomb?


E já que você não me ama... Já que você não me quer... Eu quero é que você se lasque! quero que você se dane! Quero que você se hospede na morada do Capeta, e no caldeirão da morte, quero que ele te derreta.

Na sopa do Cão... No caviar do Capeta... Na sopa do Cão... No caviar do Capeta... Na sopa do Cão... No caviar do Capeta... Na sopa do Cão...


E já que você não me aceita nem mesmo entre seus amigos, eu quero é que você se exploda! Quero que você faleça! E que você desencarne no habitat do chifruudo, e no dendê da desgraça você seja o conteúdo.

No vatapá do Cão... No acarajé do Capeta... No vatapá do Cão... No acarajé do Capeta... No vatapá do Cão... No acarajé do Capeta... No vatapá do Cão... No acarajé do Capeta...

E já que você me humilha dizendo que eu sou um fraco, desejo um cancer maligno bem no meio do seu saco. Que o rabudo te tempere, e te corte em pedacinhos, amacie a tua carne e te enfie uns palitinhos!

 No churrasco do Cão... Com a cerveja do Capeta... No churrasco do Cão... Com a cerveja do Capeta... No churrasco do Cão... Com a cerveja do Capeta...


Paulo Dagomé

HurricAnne

Sakuro Aoyama

Agora senta aí, que quero falar. Já passei tempo demais tentando ironizar e ignorar esse teu comportamento que não entendo hoje e nunca entenderei. Quer saber o que tenho pra te dizer? Aí vai: CHEGA! Estou farto de ter que te ouvir sendo falsa e vítima de tudo o que você mesma cria. Cresça! Já não tem quem fique tentando consertar teus erros, e isso também me inclui no pacote. Estou definitivamente decidido à não ter dúvidas sobre você.

Teus olhos cínicos brilham toda vez que me veem afundando em ti. Tua boca foi feita para engolir o pequeno sorriso que carrego. É quase impossível acreditar que o que você acha bom em mim, é o fato de eu ter você. Diz estar decepcionada e triste com minhas atitudes tão leviano com você. Mas você me fez assim. Gerou e me criou para que um dia trocássemos golpes. Agora, não reclame se farei isso.

Cansei de teu ar reprovador, tua insegurança exarcebada, teus joguinhos juvenis de "eu não sou mais sua amiga", de teu ego com pinta de superioridade. Eu rejeito qualquer falsa expressão de afeto que venha de você, filha do cão! Canto para ti, Vatapá como se fosse feita para você. Eu quero distância de teu perfume e não quero tua comida. Não há graça e nem ternura em teu colo.

A partir de hoje te chamarei pelo nome e nunca mais deixarei eu passar noites em claro pensando no por quê de ter que conquistar o teu amor, algo que deveria vir gratuíto e incluso na caixa. Agora sou eu que queria ter sido o teu aborto. Eu que quero não ter saído de ti. Me emancipo de tua presença, teus credos e teu tão imaculado caráter.

Hoje eu assumo todas as culpas para teu bel-prazer. Deixo-te até pensar que sou feliz com tua presença, enquanto, hoje sim, desejo a morte a ter que te ouvir mais uma vez. Cabeça tele-guiada e alienada de si mesma. Acabou os dias em que você afasta de mim todos os meus amores. Hoje eu só amo o que você nunca vai amar ou amou na vida: EU MESMO.

Ele

- Faz um tempo que não nos sentamos para conversar, mas hoje não quero falar delas que sou eu. Hoje quero falar dele que são eles, então, puxe uma cadeira e vamos nos sentar. A conversa é longa e já é tarde. Eu te empresto um short para você ficar... Como dizia, hoje vou me prestar ao papel de falar dele. É definitavamente encantador. Como uma fera. O nome dele é desnecessário para a conversa, mas quando me referir a ele, e farei isso muitas vezes, você vai entender de quem estamos falando.
 Ele tinha lábios avermelhados e olhos de caçador. Todas as mulheres eram alvos e nenhuma delas era o centro de seu coração. Com algumas passou muito tempo, com outras as poucas horas que demorava para que ela se entregasse ferozmente na cama. Com outras, ainda passa algum tempo, em pensamento.
 O ouvido aguçado, podia perceber a risada de sua próxima vítima a quilômetros. Já sabia ele o que dizer para tê-la na mão. Como quem nada queria, como quem nada sabia... impregnando-se como um fungo na pele delas, ele ia se escondendo atrás desses ultrajes. Deixando mulheres loucas e frágeis, ouvindo tudo o que elas tinham a dizer e as matando de curiosidade. Deixando as coisas desamarradas, deixando pegadas por onde passou.
 Mas ainda me lembro do dia em que ele dançou só. Lembro de sua queda, como se assistisse ela de um prédio ao lado. Chegara uma nova moça na redondeza e todos temiam pelo seu passado. Seus cabelos eram a moldura perfeita para esconder o que havia por trás de máscaras de outros carnavais que ela veio. Uma pele que lembrava porcelana e no seu ventre, fogo. Seu andar e seu falar era, o que se pode chamar de charmoso. O corpo adolescente e a boca convidativa, feita perfeitamente para aquele corpo. Olhos amendoados que se responsabilizavam sempre em estar delineados. Que não se engane, ela não era bonita, mas acabava prendendo a atenção de todos os machos da espécie e assim, os comentários das fêmeas. Óculos para fim de tarde, shorts jeans à noite, all star. Era o que ela precisava para que mais nenhuma entrasse em seu território.
 Ele, como os demais, deixou o queixo cair. Enquanto pensava se era ou não era, enquanto o seu eu o puxava para si e ele apenas seguia os passos dela. Os seus amigos riam descontroladamente da garota que parecia ser a vítima de tal crime. "Ele não ficará por muito tempo enjaulado. Um leão, um coelho, nasce para um único propósito: o mundo." 
 Porém, com o tempo, as cordas de seu violão já não tocara mais as músicas que costumava tocar. Distorciam-se, bendiavam-se, ao tom que era ditado por ela. As palavras escritas, diziam ao pé do ouvido dele, que algo estava errado com ele mesmo. Ele perdeu seu violão e sua mente. O álcool parecia já não ter muito sentido para o que ele queria. No ápice de sua loucura encaminhada, ela acena tchau.
 Seu estômago se desencadeia e se tranca. Não há comida que entre, nem água que pare, nem substrato que saia. O seu corpo parece depender de algo que sua alma repugna. Ela o visita e o deixa novamente. Apaga as luzes, fecha as portas. Eu vi aquele homem se tornar um garoto nas mãos pequenas daquela moça. Mal tinha ela chegado, parecia sempre estar de partida. Mas sempre ficava.
 Eles dividiam o mesmo lençol e cigarro. Mas estavam anos-luz de distância de si mesmos. Eu pensei que aquela loucura toda acabaria colocando-o em choque, e ao olhá-lo hoje eu tenho certeza disso. O seu talento dominado por ela. Seu corpo sujeito ao perfume das pernas dela. O gosto dela era o que matava a sede e na sua cama que os melhores sonhos voltavam a cabeça dele. Satisfazê-la era o primeiro pensamento dele ao acordar. Olhava ele para o lado, sentia o cheiro de suas pernas, via seus pequenos seios arrepiados de frio, e só queria que a sua alma aceitasse o seu corpo.  Os sonhos dele já era olhar as costas dela em sua barriga. Seu cobertor eram seus braços. O que lhe afaga são seus cabelos. Esperar que ela chegue. Esperar que ela fique. Creio que ele jamais poderá ser como antes era. Ela o domou muito bem. Fez dele gato e altar.
 Mas parece que o azar rir para esse cara. Já não bastasse o seu passado, o medo, a insegurança e todas as outras correntes que o prendem ao chão, agora terá de lidar com a ausência de tal moça. Ela se foi e levou com ela, guardado em caixas, sua fraqueza. Agora ele traz no rosto as olheiras de noites mal dormidas, um estômago vazio e o corpo fraco. Sua cama parece o Pacífico mais agitado que nunca. Seus dias correm sem sentido para lugar nenhum e a parte mais doída é não vê-la de manhã. Já não tem mais pés tamanho 34, descalços e sustentado pela ponta andando pela casa. Suas camisas não a vestem mais. Seu suor é único e exclusivo seu, não dela. O perfume não inunda a casa. Ele está seco. Esperando os Carnavais para vê-la.

Be the same.


Te conto segredos com os olhos e te levo pra sentar no meu recinto. Abro a garrafa de cerveja e encho teu copo. Meu prazer está na tua embriaguez. Abro teus olhos e me coloco em tuas mãos despida do medo e da frieza. Descarto cartas de um baralho cigano que me prende no chão, pra que tu tenhas total liberdade.
Ando à cavalo, corro entre corredores, subo e desço escadas para teu prazer. Enche-me então com relógios e me obriga apenas à esperar, esperar e esperar aos soluços.
Não há razão, pé ou cabeça. Não tenho motivos para esperar o teu "adeus" se já não me deixas habitar em ti. Não é necessário que me diga "hoje eu quero sair só" para que eu não esteja contigo. Há muito tens se esvaído de mim. Há muito, tens deixado meu coração para entrar e sair de meu corpo. Há tanto, espero que você venha e fique.
Me levo até ti. Ando milhas e não descansas meu pés. Corro descalço entre pedras e espinhos e teu sorriso não me recepciona. Grito teu nome. Tu me ouves e não me vê. Olha as coisas como estão. São de fato assim? Essa é a verdade que nos propomos a agarrar? Ainda bate o teu coração?
Tu não me soltas e nem me enlaça. Tu me deita e não me coloca em teu seio. Há tempos que não vejo tuas uvas gordas. Te trago flores e tu as amassa no bolso. Arranco minhas entranhas e as coloco em teus dedos e tu as solta no chão. Tapete é o meu peito pra ti.
Coloquei uma ancora em meu pescoço para não sair de teu mar. E quando já desfalecido e cansado entre o ar e água nos pulmões está meu corpo, tu só me pedes para esperar.

É tudo mentira

Eu quero acordar ao teu lado e te matar às 18 horas.
Quero te beijar em meio às tempestades e amarrar tuas tripas na porta.
Quero ser tua e te lançar aos leões famintos.
Quero abraçar tuas costas e nunca mais ter que olhar para teu rosto.

Quero amar-te infinitamente e te ver secando à luz do Sol.
Eu vou secar tua sede e atirar em teu peito.
Quero transar com você durante todo o dia e não te ver por uma vida.
Quero abraçar tuas costas e nunca mais ter que beijar teus lábios.

Vou arranhar tuas costelas de tanto tesão e cortar teu pescoço pelo rancor.
Vou chorar quando você partir e me alegrar quando você não voltar mais.
Quero secar minha sede em teu templo e te fazer comer areia pelo resto dos teus dias.
Quero abraçar tuas costas e nunca mais ter que ouvir tuas mentiras.

É tudo mentira baby.
O verde, o vermelho e o verão.
É tudo mentira baby.
Nunca houve verdade nisso.
É tudo mentira... E é tudo.