I promise you


Por fora, toda a beleza e fascinação.
Por fora a simplicidade beija a testa, deixa a marca do batom.
Na casca, sorrisos cheios de luz tranquiliza todas as dores.
Na capa, a igualdade e temperança transformam falas em cortejos cheios de vida.
Por fora os olhos calmos refletem a parte mais azul do céu.
Abraços para acalentar, há cheiro pra viciar, há silêncio, ecos, paciência e graça.
Por dentro, a mentira cheira podridão.
Deus! Onde escolhi me abrigar?!

The Pretender



Eu finjo ter todos os problemas do mundo. Finjo carregar os problemas do mundo. Finjo que os sinto dentro de mim e finjo que a qualquer momento eles quebrarão a minha janela e destruirão meu castelo. Mas basta você passar por mim com risos e histórias loucas com aroma de mil figueiras para a leveza me invadir com a mesma ousadia que o vento toca as folhas das mais lindas árvores.

Eu finjo ter as palavras que os outros querem ouvir. Finjo ser ponte, ser fonte, ser forte. Finjo ser o leão que não se intimida, finjo ser o escudo pronto pra batalha. Então tuas mãos envolvem meu corpo e me encaixo em teus braços tão bem, como se já os visitasse há muito. E teu peito me serve como abrigo, como esconderijo, como um campo sem fim onde posso correr sem cansar, onde a paz me invade com a força que o vento dobra o mar ao seu prazer.

E finjo máscaras e saberes. Finjo experiências e finjo lembranças. Finjo ter pra onde voltar. Finjo ter palavras pra falar. Finjo ser Paulo e finjo enfrentar deuses de lata. Finjo ter o mundo nas mãos como se sempre fosse meu. Aí teus olhos provam pra mim que nada faria sentido se eu não tivesse onde repousar uma mente tão fantasiosa. Teus olhos que me iluminam o caminho e  não deixam que eu pise em falso. Quando todo o corredor de portas se fecha e já não tenho pra onde ir, vem teu amor me abraçar com a doçura que o vento limpa a grama de folhas secas.

E por fim, quando tudo acontece ao mesmo tempo, quando os gigantes aparecem e as portas estão fechadas, quando não há máscaras suficientes para me esconder, quando as palavras e frases feitas já me cansaram, quando eu não tenho pra onde voltar... Basta-me teu beijo, teu cheiro... Basta isso pra que a coragem toque uma música tão linda, tão insana, tão calma, tão macia, tão cor-de-dia, como o vento que balança seus cabelos no carro.

Aí eu já não finjo. Só acredito.

Ode a Leonor

Basta que eu olhe para esta casa para que me bata a incerteza de ser bem vinda. A casa ainda tem o perfume e sorriso dela, você ainda olha os umbrais da porta com aquele tom de foto nostálgica, ora lomo, ora polaroid. E eu sorrio meio-sorriso. Eu olho teu peito e só enxergo o meu único abrigo, minha única saída, quando o mundo me tranca, quando os gigantes invadem meu lar, quando todos se vão. Mas logo, sem demora, me sinto intrusa no seu jardim. Uma rosa no seu cerrado. Uma ponta de cigarro na capa do livro. São loucuras demais, são problemas demais, são lembranças.
Basta que eu olhe para essa casa, para que tenha certeza que isso não me pertence, nem livremente. É como sonhar sonhos de outros, ou parafrasear filósofos, músicos... Parafrasear. Achei palavras que pareciam tão minhas por um minuto, enquanto ouvia o solo mais lindo. Depois, na segunda volta, vi suas palavras como faca de dois gumes.
Agora, olhe pra mim... Só um pouco, só pra mim. Vamos ficar alguns minutos sem falar... O silêncio é o eco que preciso agora, agora que estou indo embora. Não quero ultimo beijo. Quero teu último olhar, quero o primeiro olhar que você me olha, sem querer outra vida, sem querer outra canção, sem querer outro copo. Seja meu, só meu, enquanto eu me desfaço de você. Pra que eu sinta que não foi em vão, que foi mera coincidencia, que foi um acaso.

Acerto de Contas

 

Hey!


        Vem cá, filho duma puta! Veja o que tenho pra você. Eu tenho uma mão com dedos quebrados. São lindos dedos que poderiam carregar lindos anéis, mas resolvi quebrá-los enquanto você quebrava meu corpo, comia meu âmago e tirava minha infância a força, lembra disso. "Eles não vão saber", "É pra doer mesmo", "Fica quieta"... Lembra disso? Eu espero que lembre. Aqui estão minhas mãos quebradas, minhas cicatrizes. Aqui também está minha alegria, lembra quando foi embora? Lembra que com marcas por todo o corpo você sorria e tocava sua guitarra, olhava nos meus olhos e sorria. Lembra das marcas? Do roxo, do vermelho, dos tons de cinza que você tatuou em mim? São seus, leve-os, enfie-os no seu cu.
        Vem cá, desgraçado! Quero agradecer você por ter me seduzido com teus olhos amarelos, me comido até que tivesse sangue nos olhos, secado meu corpo até os ossos. Agradeço, desgraçado, por ter tomado minha adolescência, por ter me prendido, por me fazer ficar acordada, por ter usado e destruir meu corpo. Lembra disso? Eu espero que esse 38 refresque sua memória. Lembra: unhas quebradas, garganta estourada, mãos escorrendo no seu portão implorando o mínimo de atenção, 36 quilos... "Vem aqui agora", "Sai daqui"... E o glorioso: "O que você vai fazer agora?". Espero que se lembre das marcas nas minhas costas. É fácil inventar histórias, dizer que foi o tempo que causou exaustão, mas lembro de me desfalecer em suas mãos, implorar cuidado, implorar pra você me deixar ir embora. Meu corpo já não aguentava mais. E meu braço? A cicatriz eu tenho até hoje. Deixo aqui pra você minha confiança, meu amor-próprio. Espero que eles te espanquem até que seus dentes desçam por sua garganta, até sua cabeça ficar num estado de não conseguirem identificar teu rosto, só até seus olhos rolarem no asfalto.
        Agora você, vem cá. Não existe palavra pra te definir, nem sua mãe soube fazer. Ou melhor, nem quis fazer. Vem cá, quero que você lembre tudo o que fez. Lembra das noites que me deixou acordada? Eu espero que se lembre de todas as vagabundas que comeu enquanto estava comigo. Espero que lembre todas as vezes que menosprezou, denegriu, sujou... A-mal-di-ço-ou meu nome. Quero que se lembre da sua covardia. Quero que lembre de suas mãos no meu pescoço e quero que lembre da sua mão batendo na minha cara. Legal, divertido, todos os seus amigos já tinham saído. Quero que se lembre de mim no chão, depois que você me derrubou. "Eles fizeram isso por que você merece, é uma vagabunda, piranha..." Eu me lembro disso, e você? Parece que esqueceu. Parece que esqueceu que levou minha força, minha auto-estima... Eu quero que você lembre disso enquanto engole o cano dessa ponto40. Eu quero que sejam seus últimos pensamentos. E quero que chore, vou usar as mesmas palavras que você me deu enquanto minha boca se rasgava em cortes: "Olha minha dó por você..." Pegue o que levou de mim e engula. Não há arma que te pare. A vida vai se encarregar de você.

E agora? Já têm minhas cicatrizes penduradas no mural do orgulho, já tomaram a capacidade de acreditar. O que mais vocês querem? O que mais tem pra arrancar de mim?