Era noite e, no meu bosque, a Lua coloria o chão de prata. A grama estava úmida, mas não havia nuvens no céu. Eu, de vestidos azuis, corria entre minhas gargalhadas, fazendo corredores entre as árvores. Meu peito palpitava enquanto os meus olhos ficavam vermelhos. As pernas já fracas da brincadeira, mas com um espírito vivo.
    Era noite, mas parecia tarde. A minha brincadeira não tinha hora pra acabar. E correndo por todos os lugares do meu jardim, ouvi uma voz me chamar. "Ei, Anne. Venha aqui. Há algo que quero dar pra você", dizia. Entre gargalhadas e falas com o imaginário, fui seguindo a tal voz que me chamava. Dentro de mim, a ansiedade já não cabia.
    Eu achei a voz, que saia de um pequeno botão de rosa, que sorria para mim. Sobre o futuro, o abstrato, o intocável e  sobre a morte conversamos. Trocamos ideias e afagos, eu e a pequena planta. Ela me contava uma história de uma menina que desafiou o mundo.
    "Ela tinha lindos olhos grandes, olhos que não se acha em qualquer lugar. Olhos como os teus, Anne. Usava uma pulseira mágica no pulso que ela acreditava dar força e vida a ela. Um dia, ela encontrou num caminho qualquer um homem que lhe tirou os sonhos, depois um outro que lhe calou a boca e o último, levou sua pulseira. Ela ficou dias caída no chão, fraca, sem rumo certo. Sua pulseira tinha sido levada e isso era terrível. Mas houve um dia, que o Sol nasceu azul e o vento limpou seus olhos. Ela levantou e diante de seus joelhos machucados e pelo sangue que escorria de suas costas, ela jurou procurar uma outra fonte de vida e trocou sua arte pela sua felicidade...". Até que a curiosidade bateu em minha porta e eu a deixei entrar. "O que tinha pra me dar, antes que eu chegasse?", perguntei enquanto me levantava e sacudia o barro negro de minha roupa.
   A rosa por muitos minutos calou-se, já não me olhava mais. Parecia zangada pela interrupção. Ela me olhou debaixo para cima. Suas pétalas começaram a cair. Seu caule engrossava e começava a ganhar uma nova forma. Em uma bela moça se transformou. Cabelos longos, lisos, negros e uma pele cor de caramelo.
   Dois passos para trás evidenciaram minha surpresa e meu lágrimas nos olhos denunciaram meu medo. Eu queria correr, mas me sentia presa demais a curiosidade, acabei ficando.
   A moça olhou-me nos olhos, sorriu para mim. Tocou meu ombro esquerdo e meu quadril. Beijou meus lábios rapidamente. Na minha cabeça, o beijo durou mil anos. Mil anos em que ela me contava outras histórias, em que ela se apossava de meu corpo e alma.
   Soltou meus lábios e o cheiro de madeiras queimadas me abraçavam. Eu já não era criança mais e não lembrava como havia crescido tanto. Ganhei uma voz que afugenta o mal, a força de destruí-lo sutilmente, a leveza de um soldado. Ganhei uma mente lunática e a maldade de um ladrão.
  Eu usei todos os artifícios, todas as forças, todos os gritos... Mas, foi na calmaria e na estabilidade da terra, da areia, do mar, que encontrei minha paz.